Está aqui
Quem representa as pessoas trans e intersexo?
À semelhança do que tem vindo a fazer sobre diversos temas, o Bloco de Esquerda promoveu uma audição pública aberta a todas as pessoas e ativistas trans e intersexo, além de outros intervenientes, profissionais e organizações que trabalham junto destes, no sentido de auscultar como vivem hoje estas populações no nosso país.
Quatro anos após a entrada em vigor da chamada Lei de identidade de género, em 2011, que permitiu a uma parte das pessoas trans alterar o seu sexo registado e fazê-lo corresponder à sua identidade de género, muito mudou no quotidiano destas pessoas em Portugal. O conceito de identidade de género pôde começar a fazer parte do jargão jurídico português – e, entretanto, até já vem explicitamente mencionado no Código Penal (como agravante em incidentes de ódio) e no Código do Trabalho (como medida anti-discriminação), assim como em vários instrumentos de políticas públicas (como os últimos planos nacionais para a igualdade, cidadania e não-discriminação, ou alguns planos municipais).
Mas o que dá mais gosto de ver e ouvir é a forma como este reconhecimento serviu a emancipação das pessoas trans no nosso país.
Até 2011, entre as pessoas trans, o discurso era claro: queríamos apenas que a resma de papel acumulado ao longo de anos e anos de processo clínico de transição (incluindo relatórios de diagnóstico, exames médicos, parecer da Ordem dos Médicos, comprovativos de cirurgias realizadas, etc.) nos servisse para ver o nosso género e nome reconhecidos nos documentos de identificação. No entanto, a única alternativa para quem concluía o seu processo clínico de transição numa cirurgia de reconstrução genital (que garantisse a esterilização), era iniciar um novo processo, agora jurídico, para ver os seus documentos conforme o seu corpo. À resma de papel juntavam-se mais pareceres, exames e testemunhos. E mais anos de vida e custos astronómicos.
Compreende-se que a publicação da atual Lei de identidade de género, que exige um único relatório de diagnóstico (uma folha de papel, somente) para garantir a alteração do sexo registado e do nome, num procedimento administrativo que não demora mais que oito dias, fosse em 2011 visto como um milagre jurídico pronto para salvar vidas. Mas quatro anos passados, a população trans está suficientemente emancipada para ser exigente. O relatório de diagnóstico exigido pela lei continua a retirar-nos o poder de decidir sobre as nossas vidas. Não é nosso o direito de dizer se somos mulheres, homens ou se o nosso género é fluído e não cabe em caixinhas. Há um psicólogo e um médico que tem de nos autorizar. Por isso, exigimos o direito à autodeterminação.
Também as pessoas intersexo, tão invisíveis hoje na lei como o eram as pessoas trans até 2011, estão mais exigentes. Nesta audição, pela primeira vez, tivemos uma pessoa intersexo, o Santiago, que co-dirige comigo a Ação Pela Identidade, a falar na primeira pessoa da ausência de reconhecimento e direitos a que estão sujeitas as pessoas com a sua condição em Portugal. As que pretendem ver o seu género e nome reconhecidos têm de ser diagnosticadas como transexuais. E a maioria enfrenta uma comunidade médica com poucos ou nenhuns escrúpulos, disposta a enganá-las e a convencê-las de que são mesmo transexuais, e que é como tal que devem ser cuidadas.
Não nos custa acreditar que esta mesma comunidade médica não precise de pensar duas vezes antes de mutilar bebés cuja genitália consideram ambígua – e, em tantos casos, comprometendo para sempre a possibilidade destas pessoas terem uma vida sexual plena, saudável, e o direito fundamental de procriar. Além da autodeterminação, exigimos também o direito à integridade física.
O Bloco de Esquerda, recuperando a iniciativa que o levou a ser o primeiro partido a levar as pessoas trans ao parlamento para falarem sobre elas próprias (em 2008 foi assim: https://www.youtube.com/watch?v=xsMi5ajvPEc), iniciou um processo de revisão da atual Lei de identidade de género, convidando quem quisesse para vir dar o seu contributo. Numa atitude que ficará na história, as pessoas trans e intersexo não mandaram recado por ninguém: mais de dezena e meia de pessoas trans ou intersexo ergueram a sua voz para dizerem quais as suas experiências e aquilo que deve ser mudado. A partir de agora, vai ser assim.
Artigo publicado em Maria Capaz em 14 de maio de 2015
Comentários
Quanto às pessoas intersexo,
Quanto às pessoas intersexo, não conheço nenhuma. Existe um tal de Santiago que se diz intersexo, o qual desconheço ter ou não um diagnóstico que realmente o comprove. Depois existem outras pessoas que se dizem trans e que também desconheço terem qualquer diagnóstico que o comprove. Quanto a mim, sou transexual e diagnosticado. Em Portugal há pessoas que falam pelos transexuais, sem que nós transexuais lhes tivessemos dado essa permissão, pessoas essas sem ter qualquer diagnóstico que comprove que verdadeiramente o são, e não sendo, não têm o direito nem a legitimidade para falar em seu nome. Eu não me revejo em absolutamente nada daquilo que esses ditos ativistas defendem e pretendem e exigem. Portanto está na hora de tratar esta matéria de forma séria e permitir que os transexuais falem por si próprios através da única Associação que é verdadeiramente composta por transexuais diagnosticados e que verdadeiramente o são, a JANO. Chega de tratar este assunto com a leviandade que há anos os vários Governos têm tratado. Os transexuais não tên no SNS aquilo que deveriam ter, ou seja, cirurgias de reatribuição sexual efetuadas por médicos competentes e com provas dadas. Há anos que não existem cirurgias, portanto há anos que os transexuais diagnosticados são tratados de forma desigual, como cidadãos de segunda, como se nem sequer existissem. Os transexuais diagnosticados deveriam todos processar o estado Português e exigir dele aquilo que lhes é devido. Se não existem condições no SNS então caberia ao estado Português (se fosse uma pessoa de bem) garantir a todos os transexuais diagnosticados as cirurgias de reatribuição sexual que por sua responsabilidade não está, e repito, há anos a garantir no SNS. Menos que isto é nada. Eu também contribui para que fosse possível esta geringonça, portanto façam a vossa parte, e tratem desta matéria com a seriedade que ela merece e falem com as pessoas que verdadeiramente são transexuais. Ponto.
Adicionar novo comentário