O jornalismo é um alvo a abater. Sempre foi. Mas, hoje, mais do que nunca, precisamos dele como de pão para a boca. Na era das fake-news, urgia um jornalismo mais forte e credível. Em vez disso, temos profissionais cada vez mais precários, mal pagos e a trabalhar horas infinitas por salários de miséria.
O desenvolvimento dos canais digitais obriga ainda as e os jornalistas a escrever, editar imagens, fazer vídeos e publicar tudo nas múltiplas redes sociais que disputam a atenção do público. E ainda fazê-lo com artigos otimizados para o ranking do Google.
É hoje frequente vermos cobertura noticiosa televisiva só com cameramen, “pintando” a peça mais tarde com um voz-off feito à pressa em estúdio.
É neste mundo de jornalistas multitasking, precários e extremamente mal pagos que é necessário combater as mentiras mais do que nunca. A agudizar o problema, a falta de background dificulta a contextualização da informação por parte dos profissionais mais novos.
Mas, os obstáculos não se ficam por aqui. Há novas ameaças no horizonte, que podem tornar o panorama muito mais sombrio ainda.
Uma notícia da CNN divulgava, há poucas semanas, que o número de sites de notícias locais falsos nos EUA excedia já o de meios de comunicação social autênticos.
A pouco mais de quatro meses das presidenciais norte-americanas, a apreensão é grande. O grupo de investigação NewsGuard divulgou que, nos últimos meses, foram lançados centenas de websites de desinformação, apresentando-se como meios de comunicação social legítimos e imparciais.
A fiscalização é cada vez mais ineficaz. Alguns destes “jornais” recorrem, inclusive, a artigos partidários criados por Inteligência Artificial para espalharem desinformação de forma mais rápida e automática.
De acordo com um estudo sobre o impacto da desinformação em Portugal desenvolvido em 2022 pelo Observatório Ibérico de Media Digitais (Iberifier), 87 por cento dos portugueses e espanhóis acedem às notícias através das redes sociais, o que aumenta exponencialmente o alcance destes sites de desinformação.
Se aliarmos a este facto, o descrédito em que o jornalismo caiu, estamos perante uma tempestade perfeita. Num momento em que somos confrontados, diariamente, com “factos alternativos”, versões diferentes da História e teorias manipuladas, o jornalismo poderia e deveria desempenhar, mais do que nunca, o seu papel pendular. Mas isso, agora, não passa de uma miragem.
Quem foi que matou o jornalismo?
Disputado por empresários com sede de poder ou conglomerados com intenções ocultas, os jornais, rádios e TVs agonizam na procura constante do clickbait, relegando pilares fundamentais da informação sustentada, como a verificação de fontes ou o princípio do contraditório, entre vários outros, para o fundo da gaveta.
Morreu o jornalismo de investigação imparcial, a reportagem sucumbe facilmente ao fait-divers e os opinadores ganham espaço à custa da entrevista e da notícia contextualizada. Perdeu-se o background que era apanágio dos grandes mestres, em prol do domínio tecnológico.
A forma ganhou ao conteúdo num espaço onde todos os segundos contam. A oferta de informação pelos canais digitais matou um produto que era valioso, bem feito e credível. Entre o que sobreviveu e os novos formatos, destacam-se os programas de fact-checking, essenciais para desmontar algumas ondas no imenso mar de mentiras que se espraia pelo mundo digital.
Restam alguns (poucos) grandes jornalistas. Muitos foram relegados para prateleiras douradas, outros procuraram a sorte noutros “metiers”, a grande maioria saiu desencantada com a profissão e o “mercado”.
Em vez de educar ou informar, o jornalismo passou, mais do que tudo, a entreter. Os fotógrafos tornaram-se dispensáveis, à boleia de um qualquer smartphone 5G. O jornalista também passou a pintar a peça na redação, relegando no cameraman a função de recolher as imagens indispensáveis.
E até essas, muitas vezes, podem ser substituídas por vulgares vídeos de telemóvel recolhidos pelos espetadores. É o apanágio do “jornalismo-cidadão”, um chavão tantas vezes usado para retirar importância a quem fazia a ponte entre a informação e quem a consumia.
Há dias, 40 trabalhadores a recibos verdes da Global Media, suspenderam a sua atividade por falta de pagamento. Aquela que outrora foi uma profissão de prestígio, hoje é uma via verde para a precariedade e o desemprego, uma vida de incertezas e dificuldades.
Acabar com o tabu do financiamento público
A sede de poder tem assassinado o jornalismo aos poucos. Mas, mesmo estropiado, sem meios, mal pago e desprotegido, o jornalismo faz muita falta à democracia.
E só pode sobreviver se for financiado por todos nós, que dele dependemos. É urgente a criação de sistemas de financiamento público de projetos jornalísticos que não estejam dependentes do poder económico, agendas escondidas ou egos com sede de ascensão social.
A máxima de que o investimento privado é imparcial e só este pode garantir um jornalismo isento e há muito que caiu por terra. Basta fazer uma retrospetiva do que foram os últimos anos em muitos dos jornais, rádios e outros canais noticiosos. Foram vários os projetos de qualidade afundados por má gestão.
E tantos outros os que caíram por terra por falta de credibilidade e perda de qualidade, à boleia de agendas mais ou menos escondidas.
A salvação do jornalismo reside no financiamento público de projetos, avaliados por comissões independentes, livres das influências políticas e económicas que hoje espartilham as redações.
