Que fazer com tanta força?

porJorge Costa

01 de outubro 2023 - 13:43
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As manifestações de sábado colocaram Portugal em frente ao espelho. O que vimos? O que faremos?

A habitação é a causa de um povo empobrecido. O ciclo da inflação pós-pandemia continua e é na questão da casa que o desespero se expressa. As esmolas do governo são plumas no temporal da habitação. Para uma geração inteira, nenhuma solução aceitável está acessível. Ter trabalho não dá para ter casa e isso define o futuro.

São cada vez mais claros, para cada vez mais gente, os elementos de natureza colonial presentes no problema da habitação. Em dois momentos principais: primeiro, a punição do povo pelo aumento das taxas de juro, uma imposição externa a que todos os poderes eleitos em Portugal se afirmam alheios, enquanto engolem o governo de Lagarde, que dita de Frankfurt sem ter sido eleito por ninguém. A subordinação comprova-se também na política do banco estatal, a CGD, que acompanha a subida dos juros e a acumulação de lucros record quando poderia avançar para a sua redução.

O segundo momento é o da entrega ao mercado mundial de secções inteiras de territórios urbanos ou de reserva natural, que os transforma em capital financeiro e colónias de ricos, quase todos estrangeiros. Onde entram os colonos, são expulsos os residentes, assim deslocados e condenados à pobreza pelos novos custos com habitação. Portugal está a saque.

O governo é um pato sentado. A crise na habitação não é superável sem incursões na propriedade que o PS não aceitará fazer. Basta dizer que o Estado continua a subsidiar os nómadas digitais ou a permitir vistos gold na apropriação de parte significativa da oferta de habitação. Mesmo que o governo retirasse esses subsídios, a procura vinda dos países mais ricos continuaria a absorver a oferta de habitação e a fazer subir a generalidade dos preços. A resposta de esquerda - impor tetos às rendas e limites aos juros -, para ser completa, implica retirar os não residentes do mercado: só deve poder comprar casa quem quer nela residir. Com António Costa, tal política só poderá acontecer se, sob a pressão popular, estiver em causa a sua sobrevivência política. A luta será prolongada.

A mobilização pelo direito à habitação é um espaço de características únicas no país, onde coletivos auto-organizados e militantes das oposições de esquerda convivem, sem exclusões e sem tutelas. Esse espaço deve ser preservado e desenvolvido. Em particular, criando diálogos que já começaram com forças sociais conexas (sindicatos de serviços públicos com trabalhadores deslocados ou comunidades especialmente discriminadas no acesso a habitação - movimento LGBT e antirracista, por exemplo) mas também desdobrando-o em expressão local, permanente e descentralizada, de iniciativas Casa Para Viver. O prestígio desta convocatória resulta de uma credibilidade unitária que é condição das vitórias a alcançar.

Em Lisboa, o próximo encontro será no dia 21 de outubro, em resposta ao apelo do coletivo Vida Justa, um dos mais envolvidos na plataforma Casa para Viver e empenhados na sua dinâmica de convergência.

Antes disso, já no dia 5, é de sublinhar o apelo amplo de organizações sociais para uma manifestação em Sines sob o lema "Tirem as mãos do litoral alentejano!"

Jorge Costa
Sobre o/a autor(a)

Jorge Costa

Dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.
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