No passado sábado, dia três de agosto, passaram duas peças no Telejornal da RTP Açores sobre as taxas de criminalidade nos concelhos açorianos e a insegurança sentida em Ponta Delgada, como abertura.
É-nos, desde logo, apresentado que, segundo o INE, os Açores têm a maior taxa de criminalidade, com 40%. Aquela segunda circunferência em índice é importante: não estamos perante uma percentagem, mas uma permilagem. Ou seja, o que aquele indicador afirma é que por cada mil habitantes num dado espaço, ocorreram nele 40 crimes.
Nos Açores, em 2023, ocorreram, em absoluto, 9788 crimes reportados pelas autoridades. Isto é importantíssimo ficar claro, porque na reportagem, quer no visual, quer na narração se afirma ser percentagem, o que seriam valores dez vezes superiores. Dez vezes.
Percebemos que esta reportagem, lamentavelmente, tem realmente um problema na literacia matemática, uma vez que também é afirmado que o valor da taxa de criminalidade em Portugal, de 35,0%, é uma média, o que não faz qualquer sentido. Só poderia ser média, caso Continente, Açores e Madeira, tivesse o mesmo número de pessoas. Mesmo ignorando isso, se se tentasse fazer uma "média" o valor seria 33,9%. Já agora, o que estava escrito no gráfico era "Portugal continental" em vez de "Portugal" ou "Nacional".
É afirmado que existe um aumento considerável dos casos de roubo na rua (houve mais 36), não obstante, não é dito que a taxa desses crimes é menor do que a do Continente ou a da Madeira. Já agora, 60% deles foram em Ponta Delgada.
Porque isto importa? Quem ouviu a reportagem, julga que os Açores se tornaram um local inseguro, o que não corresponde à realidade. Se virmos os dados detalhadamente, apercebemo-nos que o número dos casos total aumentou ligeiramente em relação a 2022 (0,5%), menos que a nível nacional (8,2%), e menos do que em 2021. Percebemos que só em 4 ilhas houve um aumento dos casos (em São Miguel diminui ligeiramente) - Santa Maria, por exemplo, tem, pelo menos desde 1993, o seu menor número absoluto. Mais de metade dos casos foram em Ponta Delgada e Ribeira Grande.
Aquilo que parece estar a acontecer é uma diversificação das categorias de crime.
Há crime e devemos preocuparmo-nos em baixá-lo, particularmente preocupante a violência física, como a doméstica, mas não podemos ser sensacionalistas e criar um clima de insegurança onde ele não existe. Há uns meses o AO publicou uma notícia com o título "Dados de criminalidade são preocupantes" onde se lê que a pessoa citada que manifestou essa preocupação esclarece que ainda não se sabe se esse é um aumento real, ou casos a serem reportados e que anteriormente não o tinham sido. Foi uma opção jornalística a escolha do título que mimetiza as estratégias da CMTV.
Na notícia seguinte temos a reportagem sobre a insegurança em Ponta Delgada a dedicar 22 segundos de imagens a sem-abrigo e pedinte, sendo que não encontrei estudos que provassem uma prevalência do crime nessas comunidades. Como se não bastasse, o autarca fala em que por vezes se descriminaliza sem pensar nas consequências, o que me parece uma referência direta à toxicodependência. Caminhamos para estigmatizações que funcionam mais como profecias autorrealizadas do que análises racionais.
Nenhum dos jornalistas terá agido de má-fé, incorporaram este discurso, que só gera desconfiança e um apoio aos autoritarismos, daquele que é o cenário nacional (e mundial) da comunicação social.
