Ainda não são conhecidos os dados do Relatório Anual de Segurança Interna, mas as informações preliminares mostram que a violência doméstica aumentou no ano de 2019. Para além dos femicídios, o crime de violência doméstica terá subido 11,5%, aproximando-se das 30 mil queixas num ano.
Facto mais animador decorre da tentativa de se garantir maior proteção às vítimas de violência doméstica. Registou-se um aumento da aplicação das medidas de coação e de proteção através da vigilância eletrónica e da teleassistência, assim como um aumento da frequência de programas para agressores a cumprir prisão efetiva e preventiva.
Mas, entretanto, aconteceu a covid-19. E tudo mudou.
À semelhança de outros países onde a epidemia chegou mais cedo, as queixas e denúncias de violência doméstica em Portugal caíram abruptamente nos primeiros tempos de isolamento das famílias. Não é uma surpresa. A casa, lugar de segurança para a maioria, é um lugar de medo para muitas mulheres e crianças. O isolamento e o confinamento das famílias possibilitam ao agressor um controlo acrescido sobre a vítima. Vigiar-lhe as saídas, controlar-lhe o computador ou o telefone tornaram-se tarefas ainda mais fáceis. A invisibilidade de quatro paredes fornece o caldo ideal para agressores apertarem a malha às suas vítimas e para intensificar as estratégias de opressão, humilhação e violência.
Às vítimas, mais manietadas por estas condições particulares e extraordinárias, resta-lhes gerir o medo e tentar atravessar esta tormenta da forma mais segura possível para si e para os filhos.
À semelhança do que está a acontecer noutros países, aquilo que se prevê é que esta convivência forçada conflua num escalar de violência e agressões de tal ordem que os pedidos de ajuda cresçam exponencialmente poucas semanas após o início do isolamento. Nalguns países, as queixas de violência doméstica triplicaram a partir da terceira ou quarta semana de isolamento. Nada indica que Portugal seja exceção.
O governo australiano acaba de assegurar 150 milhões de dólares para o combate à violência doméstica durante a crise da covid-19. No Reino Unido foram disponibilizados 1,6 milhões de libras para as autarquias poderem responder a este problema. E em Portugal? Qual o financiamento previsto para o combate à epidemia da violência doméstica? O Governo português e o poder local também têm de responder à chamada.
Têm de garantir a capacidade de resposta no atendimento, apoio e encaminhamento das queixas, mas também no acolhimento de emergência em caso de necessidade, num contexto em que a maior parte das autarquias não dispõe de acolhimento de emergência. Terão alguns dias para encontrar soluções de alojamento para vítimas adultas e crianças. A abertura de linhas telefónicas gratuitas e em funcionamento 24 horas por dia por parte das autarquias é outra das medidas que podem fazer a diferença e assegurar que cada pedido de ajuda recebe a resposta de que necessita e que nenhuma vítima fica sozinha.
A fatura da violência doméstica e da desproteção das vítimas será muito maior se não se atuar desde já e se preparar a resposta àquele que pode ser o período mais negro da vida de tanta gente.
A todos nós, aos familiares, aos amigos, aos vizinhos, compete a máxima vigilância e atenção. Compete, sobretudo, denunciar e chamar ajuda. Meter a colher pode significar a diferença entre a vida e a morte das vítimas, que na sua esmagadora maioria são mulheres.
Às vítimas de violência doméstica, adultas ou crianças, a mensagem só pode ser uma: não estão sozinhas, peçam ajuda, denunciem. Liguem para as linhas de apoio e de emergência1. Os profissionais e ativistas dos organismos que trabalham nesta área estão lá para ajudar. Liguem para a polícia. Os profissionais das Forças e Serviços de Segurança responderão.
Artigo publicado em publico.pt a 1 de abril de 2020
1 Linha 808 202 148 / 116 006 / SMS3060
E-mail: violê[email protected]
Linha de Emergência Social: 144
Linha SOS Criança: 116 111
