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Quando alguns barões puxam da moca

Alguns dos mais poderosos novos barões do país estão a ocupar a praça pública com as suas exigências, de um modo que tem sido incomum nas últimas décadas.

Creio não haver dúvida razoável acerca da mudança de atitude: as declarações são mais contundentes e as ameaças mais visíveis. Alguns dos mais poderosos novos barões do país estão a ocupar a praça pública com as suas exigências, de um modo que tem sido incomum nas últimas décadas, enquanto a naturalidade do uso dos canais do poder permitia o acerto de posições, usando a colocação nos governos de figuras da porta giratória, os compromissos partidários, as pressões internacionais e os ajustes em clubes vários. Esse acerto diplomático parece estar agora a ser substituído por braços de ferro, ameaças e factos consumados, numa espiral que é assinalável. Há para isso duas razões substanciais e um contexto novo.

Venha tudo: menos impostos e mais subsídios

A primeira razão é que já vai longo o período de baixas taxas médias de lucro e, ainda mais marcado, de acumulação mínima. Não é igual em todos os sectores, mas é uma tendência generalizada no contexto da recuperação medíocre que se seguiu à recessão de 2008-09 e agora à de 2020-21. No caso do sistema bancário, a baixa taxa de juros restringiu a margem financeira e voltou a incentivar as operações sombra em ativos de risco, com destaque para as criptomoedas. Para este impasse no processo de acumulação, a solução apontada é, como sempre, a mais fácil: o Estado que lhes pague através de uma redução de impostos ou da garantia de rendas. A baixa dos impostos é o alfa e o ómega do discurso dos representantes do capital, mesmo que logo após o período em que exigiram (e conseguiram) subsídios diretos por parte de um Estado que querem agora desfinanciar.

A segunda razão que impulsiona esta vaga de pressões empresariais é o deslizar do contexto político em tempo pós-e-ante-Trump. É de notar a mudança profunda dos partidos políticos da direita, que decorre desta nova parentalidade, e a forma como se posicionam nervosamente na defesa dos interesses de empresas em concreto. O caso da Endesa é curioso: Ribeiro da Silva, num ato de prosápia, e à margem dos contratos a que está obrigado, anuncia um aumento de 40% do preço da energia, e logo PSD, IL e Chega se atiram em sua defesa e protestam contra a ignomínia que seria verificar as faturas (o que suponho que cada um destes indignados faz em sua casa).

A pandemia e os bens comuns

O imbróglio deste discurso é que contradiz a experiência social intensa que vivemos, ou como a pandemia revelou a importância dos bens comuns na sociedade moderna, da segurança garantida pelo serviço de saúde até ao apoio ao emprego. Talvez seja por esse contexto tão recente que se estranha a presunção aristocrática, em particular de alguns dos novos ricos do país, sobretudo os alcandorados em donos de comunicação social: Marco Galinha, o dono do “DN”, “JN”, TSF e outros, tem movido uma perseguição persistente a quem o questiona e, dizem os Conselhos de Redação, leva o detalhe ao ponto de ser administrador das redes sociais da sua imprensa; Mário Ferreira, o dono da TVI, objeto de buscas judiciárias em julho pelo velho caso da compra e venda relâmpago do Atlântida, abdica espampanantemente dos €40 milhões que tinha conseguido no PRR, alegando “vergonhosas ações”, não descriminadas, de Catarina e Ana Gomes, presume-se que por terem perguntado como é que uma empresa próxima do poder recebe metade dos fundos.

A estas tonitruâncias junta-se agora a voz de um homem habitualmente prudente, o presidente da Associação de Bancos, para quem “o uso e abuso da expressão ‘lucros excessivos’ na nossa comunicação [...] reflete uma hostilidade cultural ao capital e à sua acumulação”. A partir daí, seria o Armagedão se o Governo viesse a aplicar um imposto comparável ao italiano, espanhol ou inglês sobre os “lucros caídos do céu”: viria o “empobrecimento”, mais “os concorrentes estrangeiros, libertos desse preconceito e portadores de passaporte europeu, [que] terão a vida facilitada no nosso mercado”, como se a banca “nacional” não fosse detida por estrangeiros, com a exceção da CGD.

Este acirrar de posições tem merecido uma resposta débil e não é de antecipar muito mais. A Autoridade da Concorrência, incapaz de controlar a colusão na energia, aplicou multas a supermercados e no sector dos pagamentos. Nada que restrinja os lucros caídos do céu de mais 153% na Galp e igualmente generosos noutras empresas dominantes. Mas, na dúvida, alguns destes empresários mostram a moca.

Artigo de Francisco Louçã, publicado no jornal “Expresso” a 5 de agosto a 2022. Ler Direito de Resposta enviado por Marco Galinha.

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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