Está aqui

Quando Abril aqui passar

O debate sobre os 50 anos do 25 de Abril e daquilo que ele representa hoje é bastante importante. Abril fez-se e faz-se para combater o conservadorismo que teima em querer calar-nos e levar-nos para outros tempos.

Quando falamos do 25 de Abril, dos seus 50 anos e aquilo que ele representa e significa hoje não nos podemos esquecer do que ainda falta fazer e das lutas que ainda temos que lutar. Não podemos tomar a liberdade e os direitos conquistados como garantidos, pois acordámos após estes dois anos de pandemia com uma extrema-direita que ameaça a nossa sobrevivência e existência, aliada a uma agenda política antifeminista e homofóbica.

Assim sendo, enquanto neta de abril sinto e reivindico lutas a que abril trouxe a possibilidade de existirem nos dias que correm, levantando novas bandeiras que devem ser considerados quando falamos do mesmo. O 25 de abril trouxe consigo a liberdade de lutar pela nossa própria forma de existir, sendo sinónimo, hoje, da luta LGBTQIAP+, Feminista, Antirracista e pela Justiça Climática. Onde todas estas lutas encontram lugar, interligando-se entre si, filhas daquilo que Abril significa, principalmente para nós jovens de esquerda que acreditam numa alternativa.

Para além disso abril não chegou a todo o território, sendo que ainda tem que fazer muito pelo interior. A meu ver, olho para estes 50 anos como sinónimo de liberdade, de combate ao conservadorismo, vejo a escola pública e o direito à saúde através de um sistema nacional, olho a necessidade da coesão territorial e o direito a sermos e a existirmos sem nos escondermos. Contudo, quando falamos de interior vemos que muitas dessas lutas ainda ficaram por se concretizar, sendo reivindicações importantes a ter em conta. O envelhecimento e despovoamento do mesmo são provas vivas de tal. O Serviço Nacional de Saúde é fundamental para a presença de abril numa certa região, e a verdade é que vemos cada vez mais pessoas sem médico de família, onde a consulta tem que ser a um dia da semana específico, assim como a hora, porque o transporte coletivo apenas acontece nessa mesma altura. Assistimos ao fechar de cada vez mais serviços específicos como cardiologia ou ortopedia em muitas capitais de distrito, fazendo com que a população seja obrigada a deslocar-se para Coimbra de modo a conseguir ser tratada, por exemplo.

No que toca ao aborto existe um completo divórcio no acesso ao mesmo em determinados pontos do país como Alentejo ou Beiras. Apesar de a revolução ter acontecido em 1974, não significa que o patriarcado e o controlo sobre o corpo daqueles que têm útero tenha acabado, sendo que apenas em 2007 este direito se tornou real em Portugal. Porém, assistimos ainda a uma lei bastante conservadora, sendo o acesso à interrupção voluntária da gravidez em regiões mais pequenas, e onde o anonimato é algo impossível, seja um processo violento e mais complicado. A realidade é que a falta desse serviço e de profissionais que estejam dispostos a exercer o mesmo, faz com que o deslocar para outras cidades como Lisboa e Porto seja a única solução, e aqui podemos perguntar-nos o que é que esta questão significa para uma jovem que se vê confrontada com ela. A falta de coesão territorial e de acessos, como é a questão da inexistência de oferta de transportes coletivos, distritos onde a ferrovia ainda não chega faz com que tal se torne impossível.

A escola pública é outro ponto importante, pois o acesso à educação pública para todas, todos e todes é uma conquista de Abril. Contudo existem enormes falhas. Falha-se quando se fecham cada vez mais escolas primárias e secundárias, onde crianças são habituadas desde muito novas a sair de casa dos pais dias inteiros porque apenas existe o autocarro das sete da manhã e o de volta às seis da tarde. Onde áreas de formação como artes ou humanidades carecem por falta de professores e alunos suficientes para criar turmas, o que faz com que jovens de 16 anos, se os rendimentos familiares assim o permitirem, tenham que ir viver para residências na cidade que fica a uma hora (ou mais) de distância de casa.

O debate sobre os 50 anos do 25 de Abril e daquilo que ele representa hoje é bastante importante, pois serve para nos questionarmos sobre o mesmo, e pensarmos de como este tomou novas formas e assumiu novas bandeiras. Abril fez-se e faz-se para combater o conservadorismo que teima em querer calar-nos e levar-nos para outros tempos. Abril é agora, sendo ele o combate a esta extrema-direita que constrói toda uma agenda que nos ameaça, é a luta LGBTQIAP+ de mãos dadas com o movimento feminista e antirracista. É chegar a todo o território seja qual for a especificidade do mesmo, porque a luta e aquilo que ainda temos que fazer não é a mesma em todos os lugares.

Sobre o/a autor(a)

Licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais. Ativista política e das causas LGBTQIAP+, ambientais e feministas. Autora do podcast “2 Feministas 1 Patriarcado”
(...)