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Qatar: o mundial do mundo dos super-ricos

O Mundial de futebol do Qatar custou 220 mil milhões de dólares. Com um mundo a produzir mais, com mais riqueza, com maior acumulação de capital, onde é que este é aplicado? Se respondeu no combate à pobreza e à fome, errou. É mesmo nos caprichos e nos "depósitos" dos super-ricos.

O Mundial de futebol do Qatar custou 220 mil milhões de dólares. A revista Forbes chamou-lhe "uma das maiores campanhas de capital na história da humanidade". Esta frase é todo um tratado. Com um mundo a produzir mais, com mais riqueza, com maior acumulação de capital, onde é que este é aplicado? Se respondeu no combate à pobreza e à fome, errou. É mesmo nos caprichos e nos "depósitos" dos super-ricos.

Um país com menos de 3 milhões de habitantes estava a gastar 500 milhões de dólares por semana em estádios, estradas, hotéis e melhorias aeroportuárias para preparar o país para o Mundial. Repito: um total de 220 mil milhões. Para comparação, todo o orçamento de estado português para 2023 é 115 mil milhões e o PIB português é de 230 mil milhões. 15 vezes mais que o custo do último mundial (Rússia 2018 - sim, a FIFA sabe escolher a dedo).

A história deste mundial é fácil de contar. Os super-ricos do Qatar tinham dinheiro a mais e precisam de o colocar nalguma coisa. E já se sabe, os super-ricos sabem olear mãos e ganharam essa votação da FIFA que entretanto ficou encharcada em escândalos de corrupção. Assim, foram construídos 8 estádios numa curtíssima faixa de território. Num mundial de milhares de milhões, os seus trabalhadores apenas encontraram cêntimos, violação de direitos humanos e, para muitos, a morte.

A vontade dos super-ricos sobrepõe-se aos direitos humanos e mesmo aos contratos. Quem paga, manda. Num dos episódios mais noticiados, a venda de cerveja nos estádios foi proibida à última hora. Mas essa notícia dava também conta que a cerveja, o champanhe e os vinhos de milhares de euros continuariam à venda nas zonas VIP dos estádios. Adeptos locais foram pagos e transportados para o Qatar para fazerem de fãs.

O futebol, com o seu potencial de lavar a alma e de "softpower" é um dos meios privilegiados para os super-ricos. Mohammed bin Salman no Newcastle, Nasser Al-Khelaifi no Paris Saint-Germain, Sheik Mansour no Manchester City, os herdeiros de Dietrich Mateschitz nos clubes do grupo Red Bull, Andrea Agnelli na Juventus. Seguem-se muitos, muitos outros. Cada uma das suas fortunas é contada na escala dos muitos milhares de milhões.

Nas últimas décadas assistimos a um aumento desmesurado da inflação nos passes dos jogadores e gastos dos clubes. Isso não se deve ao aumento de receitas, como as constantes violações do fair play desportivo revelam e como os auto-patrocínios publicitários auto-inflacionados escondem. Deve-se tão só ao facto dos super-ricos terem dinheiro a mais e precisarem de o "depositar" algures. Assim é no capital social dos clubes e nas contratações de Neymars.

A conclusão é óbvia: os super-ricos têm demasiado dinheiro. E isso é um problema para a nossa vida em sociedade. É um problema para o planeta porque os seus investimentos destroem a capacidade de vida na Terra. É um problema para a economia porque a destroem: veja-se o caso da inflação nos passes dos jogadores e aplique-se o mesmo fenómeno para o preço da habitação (tema que fica para outro artigo). É um problema porque são construídos através da construção de enorme desigualdade e do afundamento do valor que os trabalhadores recebem pelo seu trabalho. E é um problema para as liberdades: seja a ameaça de cartão amarelo aos capitães de equipa que usem a braçadeira arco-íris, seja com o capitão dos super-ricos a mandar no Twitter.

Os super-ricos são um problema para a sociedade.

Sobre o/a autor(a)

Biólogo. Dirigente do Bloco de Esquerda
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