Está aqui

Putin o novo Estaline?

Há uma continuidade de métodos que vai de Estaline a Putin, mas a natureza diferente dos regimes mantém-se problemática. As revoluções não se costumam fazer de forma pacífica, as contrarrevoluções também não.

A invasão da Ucrânia tem sido vista por alguns como a reedição da luta da União Soviética contra a Alemanha Nazi, o que coloca Putin no papel de novo Estaline. Isto levanta questões para as quais, aviso, tenho mais perguntas que respostas. As personagens em causa são menos importantes que os sistemas que as suportam.

No centro desta questão estão as próprias naturezas dos regimes políticos da URSS no período estalinista (e sucessores) e posterior a 1991. Uma primeira abordagem poderá dizer que não se pode comparar o primeiro enquanto regime socialista, ao segundo, após a restauração do capitalismo. Porém, poder-se-á considerar socialista a URSS de Estaline a Gorbachev? Era um regime fundado na repressão, no Gulag, nas execuções com ou sem processo, no domínio da burocracia contra uma esmagadora maioria da população mantida na miséria. Tinha ganho prestígio internacional na vitória sobre Hitler, mas essa vitória pouco se deveu ao papel da burocracia que conduziu a guerra de forma desastrosa. Antes da Guerra tinha havido a Grande Purga de 1937 com o fuzilamento da maior parte dos comandantes do Exército Vermelho. Depois do pacto com Hitler a URSS foi apanhada desprevenida quando Hitler a invadiu. Para dar alguns exemplos, no primeiro dia da invasão Nazi perderam 1.489 aviões e mais de 3.000 nos três primeiros dias, as tropas de Hitler estavam na região de Leninegrado em duas semanas.

Sabemos que a ofensiva nazi ficou paralisada no Outono/Inverno de 1941 e que se seguiu um lento avanço do Exército Vermelho para Oeste até à derrota nazi, mas mesmo este avanço fez-se com enormes baixas, maiores que as do lado alemão. As táticas e as formas de pensar dos comandos do Exército Russo (provavelmente também do ucraniano) foram moldados nesta guerra. Também é aos traumas desta guerra que Putin (que perdeu familiares na guerra) apela, quando fala de desnazificação, omitindo, claro, que ele próprio pertence e apoia a extrema-direita.

Também ficou deste tempo a ideia, que será uma das reais motivações da guerra, de ter estados tampão a separar a URSS (agora a Rússia) do Ocidente. A forma de conduzir a guerra é, aliás, consistente com isso. Trata-se de deixar o vazio nas zonas ocupadas ou a ocupar. Destruir infraestruturas, fazer a população sobrevivente fugir, quem fica arrisca a tortura e a violação, uma arma de guerra, tal como acontecia com os nazis.

Também há, tal como com Estaline, uma política deliberada de mentira, começa por não se reconhecer que há uma guerra. Esta é lançada com pretextos fantasiosos: uma planeada invasão à Rússia; ou falsos, com toda uma narrativa sobre a Ucrânia desde 2014, ou até sobre a inexistência da Ucrânia. Até fotomontagens têm aparecido. Se internacionalmente isto é pouco convincente, na Rússia onde não há imprensa livre, pode ter o seu efeito.

Há uma continuidade de métodos que vai de Estaline a Putin, mas a natureza diferente dos regimes mantém-se problemática. As revoluções não se costumam fazer de forma pacífica, as contrarrevoluções também não. Terá havido uma contrarrevolução para restaurar o capitalismo na Rússia nos anos 90? Parece que sim, mas provavelmente não. Houve algumas convulsões e até um golpe militar, porém é notável a continuidade do pessoal político. O novo pessoal político é composto de antigos membros do PCUS convertidos ao capitalismo (isto depois de quase 70 anos a eliminar traidores), o próprio Putin é um ex agente da KGB. A antiga nomenklatura ou manteve posições no novo regime, ou se reformou calmamente (também era uma gerontocracia). Os novos oligarcas têm a mesma origem.

A grande repressão, até sobre os que tinham feito a revolução de outubro, ficou para trás, durou dos anos 20 aos anos 80, também seja aí que se deva procurar a contra revolução.

Sobre o/a autor(a)

Investigador de CIES/IUL
Comentários (1)