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Punir os mais fracos

Enquanto cuidarmos de punir, esquecendo os deveres de prevenir, estaremos ocupados a construir cadeias em vez de outros equipamentos sociais bem mais importantes.

No momento em que o país emerge de uma das suas mais profundas crises económicas, em que foram cegamente adotadas medidas políticas que tiveram efeitos devastadores no tecido social português, somos brindados/as com a proposta de criminalização do abandono de idosos nas instituições de saúde.

Na verdade, esta iniciativa legislativa parece ignorar os malefícios resultantes da duríssima intervenção da Troika na sociedade portuguesa, em que os pobres ficaram mais pobres e os mais jovens abandonaram o país. É este o verdadeiro quadro sociológico que explica que algumas famílias carenciadas, no limite do assistencialismo, no desespero da carência de meios, levem os seus idosos a uma instituição pública de saúde e os deixem nesses locais. Porque efectivamente o fenómeno existe, radica na extrema pobreza que assola certas camadas da sociedade e é preciso combatê-lo.

Convém lembrar que o Estado Português tem obrigações, inscritas na Constituição da República, relativamente à Segurança Social, à proteção da velhice. As políticas de terceira idade são compromissos da sociedade politicamente organizada, que incumbem ao Estado e à sociedade civil.

Pergunto-me onde se encontram as redes de cuidados paliativos? O estatuto do cuidador? Enfim, como se organiza a sociedade para assegurar os direitos dos idosos mais vulneráveis e mais pobres? A prisão é a resposta que alguns propõem!

A proposta de criminalização de comportamentos que radicam, antes de mais, na extrema pobreza da sociedade e na indisfarçada penalização da pobreza esquece o óbvio: o crime de abandono já se encontra previsto na legislação nacional. Na verdade, o crime de Exposição ou Abandono (Artigo 138.º do Código Penal) já pune a pessoa que abandone um familiar ou um terceiro em situação de perigo.

Ora, paradoxalmente, o hospital é porventura o local mais seguro, no qual um idoso carente pode ser deixado, daí que o hipotético bem jurídico que se quisesse associar a nova criminalização não poderia residir nunca no ameaçar da vida.

O momento em que se apresenta esta proposta é marcado por um dramático envelhecimento da população e enquanto cuidarmos de punir, esquecendo os deveres de prevenir, estaremos ocupados a construir cadeias em vez de outros equipamentos sociais bem mais importantes.

E, na análise desta proposta, façam o esforço de não “misturar alhos com bugalhos”, que tão bem tem servido para a desinformação de uma medida avulsa e demagógica.

Artigo disponível em acores.bloco.org

Sobre o/a autor(a)

Deputada do Bloco de Esquerda na Assembleia Regional dos Açores. Licenciada em Educação. Ativista pelos Direitos dos Animais. Coordenadora do Bloco da Ilha Terceira
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