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Propinas: nem novas, nem velhas

Ou Passos Coelho deixou-se envolver pelo entusiasmo da entrevista; ou fugiu-lhe a boca para a verdade e acabou de antecipar a proposta mais absurda e violenta que um governo poderia pensar para a escola pública.

Esta semana Passos Coelho admitiu a introdução de propinas no Ensino Secundário. Nuno Crato desmentiu. O Governo não se entende. Deixemo-nos de brincar com coisas sérias: está na hora de demitir esta gente.

Das duas uma: ou Passos Coelho se deixou envolver pelo entusiasmo da entrevista, deixando em aberto uma proposta que ainda não discutiu no seu executivo; ou então fugiu-lhe a boca para a verdade e acabou de antecipar a proposta mais absurda e violenta que um governo poderia pensar para a escola pública.

Nuno Crato quer acabar com a importância da história no sistema de ensino português, mas nós, felizmente, ainda temos alguma memória histórica. No início dos anos 90 repetia-se a lengalenga que toda a gente sabia que era mentira: era preciso criar uma propina no Ensino Superior que se ajustasse à situação do país mas que nunca pusesse em causa a universalidade, nem que nunca chegasse a valores exorbitantes. O movimento antipropinas tinha razão: abrir um precedente deste tipo significava abrir o caminho da destruição da democracia no Ensino Superior. Vinte anos passados temos uma propina de licenciatura que ultrapassa os mil euros e mestrados que chegam a dezenas de milhares de euros. Milhares de estudantes ficam à porta das universidades. Milhares abandonam. Milhares endividam-se para poderem continuar a estudar.

Passos Coelho na sua entrevista transportou-nos para um déjà vu perigoso. Defendendo um melhor sistema de financiamento entre o estado e as famílias no Ensino Secundário, admite ser necessário abrir portas a um sistema de propinas capaz de ajustar o financiamento às necessidades do país mas que nunca impossibilitará ninguém de concluir os seus estudos. O constitucionalista social-democrata Bacelar Gouveia confirma a tese: um sistema de propinas no Secundário não é inconstitucional.

O que Passos Coelho nos propõe é um exercício simples: usar o mesmo truque pela segunda vez na história, para ver se resulta novamente. Usar a mesma justificação para abrir um precedente que, como vemos no Ensino Superior, nos faz caminhar a passos largos para tempos dos quais não temos nenhuma saudade.

Mas Passos Coelho engana-se em duas coisas fundamentais. A primeira é a de que ainda não desistimos de acabar com as propinas no Ensino Superior, um mecanismo absurdo de elitização das universidades. A segunda é a de que não vamos deixar que a história se repita: não deixaremos abrir o precedente de introduzir propinas “ajustadas às necessidades”.

Muito antes de Passos Coelho, Nuno Crato e o Governo delinearem uma proposta deste tipo já o Governo foi demitido. Fruto das suas políticas destrutivas e que afundam o país. Fruto de um povo que se levanta para afundar a política da destruição.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo e investigador
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