Vivemos numa era em que a informação corre mais depressa do que a nossa capacidade de a reflectir. E, em períodos eleitorais, essa velocidade torna-se um problema sério para a saúde democrática. Um dos maiores instrumentos de distorção do debate é, sem dúvida, a publicação de sondagens em plena campanha.
É urgente discutir, seriamente, a necessidade de proibir a publicação de sondagens durante o período eleitoral. E não se trata de um capricho, nem de uma tese conspirativa — é uma defesa elementar do direito dos cidadãos a formarem a sua vontade política livres da pressão mediática.
Veja-se o que aconteceu em Portugal em 2022. A poucos dias das eleições legislativas, uma sondagem dava empate técnico entre o PS e o PSD. Empate técnico. O que a realidade revelou foi muito diferente: uma maioria absoluta do PS e uma derrota histórica para o PSD. Esta discrepância não pode ser vista apenas como um desvio estatístico: ela teve consequências reais na mobilização, na expectativa e no próprio comportamento eleitoral. E se isso já seria motivo de preocupação, pior ainda são os chamados "barómetros", cuja fragilidade é extrema: não só trabalham com amostras ainda mais reduzidas, como muitas vezes menos de metade das entrevistas previstas chegam a ser efectivamente concluídas. Ou seja, baseiam conclusões em respostas de apenas algumas centenas de pessoas, pondo em causa qualquer ilusão de representatividade.
Não é por acaso que vários países europeus impõem limites à publicação de sondagens em períodos críticos. Em França, por exemplo, as sondagens são proibidas nas 24 horas que antecedem o ato eleitoral — e durante a campanha, as regras de divulgação são apertadas. Em Itália, o bloqueio é ainda mais rigoroso: durante os 15 dias antes das eleições, é proibida qualquer publicação de sondagens. Também em Espanha, existe uma interdição durante a última semana de campanha. Estes países perceberam que, em momentos tão decisivos, a informação deve ser o mais protegida possível do ruído e da manipulação.
Portugal precisa de seguir o mesmo caminho. E com razão: não podemos ignorar a realidade de que, em muitas autárquicas, há práticas de manipulação mais evidentes, onde partidos ou candidaturas encomendam sondagens favoráveis que depois são divulgadas como isentas, com o objetivo claro de moldar a percepção pública. Esta prática, que todos sabem existir, mina ainda mais a confiança dos cidadãos.
Acresce a isto outro factor importante: a fiabilidade técnica das sondagens feitas em Portugal é, em média, inferior à de países com dimensão populacional semelhante. Enquanto na Suécia, por exemplo, a maioria das sondagens envolve amostras de cerca de 2500 inquiridos, e na Grécia entre 1000 e 2000, em Portugal o número médio deverá rondar os 750. Amostras mais pequenas significam margem de erro maior — e, consequentemente, resultados mais frágeis, mais voláteis e mais sujeitos a instrumentalização.
Importa também reconhecer que existem projectos académicos e estudos sérios, realizados com independência e rigor científico. A crítica aqui não é dirigida à investigação social em si — que é essencial para compreender dinâmicas políticas e sociais —, mas à publicação maciça, em contexto de campanha, de sondagens que inevitavelmente condicionam a formação da vontade popular. Mesmo as sondagens mais isentas acabam, involuntariamente, por gerar efeitos políticos quando publicadas no calor do momento.
Proibir a publicação de sondagens durante a campanha eleitoral não seria um ataque à liberdade de expressão — seria um ato de proteção da liberdade dos eleitores. Permitir que cada cidadão vá a votos baseado nas suas convicções, e não num clima artificial de "vitórias inevitáveis" ou "derrotas certas", é essencial para revitalizar a democracia.
É altura de deixar de tratar as eleições como meros jogos de apostas em que os cidadãos são levados a votar com base em previsões, e não em projetos. A democracia exige escolhas genuínas — não apostas condicionadas.
Por isso, sim, debatamos esta questão.
Artigo publicado em Público P3 a 30 de abril de 2025
