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Presunção e água benta...

O PS dirá agora, como Carlos César insinuou, que a proximidade à esquerda dá “mau aspeto” junto da alta finança e prejudica a credibilidade externa do país. Mas sabe que recuperar salários e pensões foi o que pôs a economia a funcionar com mínimos de dignidade social.

As jornadas parlamentares do PS foram mais uma vez o momento para Carlos César dedicar calorosas saudações ao Bloco de Esquerda e restantes parceiros à esquerda. Tanta gentileza já se vai tornando tradição nas intervenções do líder parlamentar socialista, sobretudo depois do último congresso do partido.

Há um ano que o conclave oficializou a estratégia eleitoral do Partido Socialista, fechou o parêntesis da geringonça e preanunciou um PS com vontade de fazer alianças à direita. Longe vai o tempo em que o PS viu na geringonça a equação para um Governo que parecia impossível. Com a aproximação das legislativas fazem-se outras contas, as da maioria absoluta, e Carlos César não tem saudades da geringonça.

Diz César que se o PS fosse sempre “atrás do estilo de aventura e de que tudo é fácil, tudo é barato e tudo pode ser feito – que o BE em especial, mas também alguns dos nossos parceiros alimentam frequentemente –, nós tínhamos um país com uma mão à frente e outra atrás e voltávamos ao tempo da bancarrota”. E acrescenta, com ar de quem está a dar uma grande notícia, que “o Bloco de Esquerda não manda na Assembleia da República nem manda no país”.

Pretendia o líder parlamentar justificar o seu próprio recuo na votação da eliminação das taxas moderadoras proposta pelo Bloco. Mas falharam os argumentos e só lhe sobrou a soberba. O tom nunca varia muito, as declarações é que começam a denunciar a ansiedade pré-eleitoral e vão perdendo credibilidade.

Ao contrário de outros, que sendo minoria agem como se fossem autossuficientes, o Bloco de Esquerda sabe bem a força que tem no Parlamento e no país. Foi essa força que levou o PS a abandonar partes importantes do seu programa como o adiamento da eliminação dos cortes salariais, a redução do valor real das pensões, o financiamento público dos baixos salários, a redução da TSU patronal ou a facilitação dos despedimentos coletivos.

Todos as medidas que foram negociadas com a esquerda até agora deixaram o país um pouco mais distante do desastre da governação anterior. E ainda que não tenha sido suficiente para travar negócios ruinosos como o do Banif ou do Novo Banco, foi a força do Bloco que garantiu a estabilidade da legislatura à medida que aumentavam os entraves, os constantes recuos e imobilismos do PS nas negociações com os parceiros parlamentares que sustentam o Governo minoritário.

O PS dirá agora, como Carlos César insinuou, que a proximidade à esquerda dá “mau aspeto” junto da alta finança e prejudica a credibilidade externa do país. Mas sabe que recuperar salários e pensões foi o que pôs a economia a funcionar com mínimos de dignidade social. Pode não ter garantido o enamoramento dos investidores (que tentaram impedir medidas “irresponsáveis” como o aumento do salário mínimo), mas certamente salvou o país.

Foi esse o caminho que o país escolheu quando tirou a maioria à direita no Parlamento e deu força suficiente à esquerda para negociar com o PS uma alternativa a PSD/CDS. O Bloco de Esquerda sabe bem a importância desta legislatura, dos acordos que foram feitos e do quanto o país melhorou.

Da estratégia do Partido Socialista para este período eleitoral só será juiz o povo, no dia 6 de outubro. Já sobre o tom de Carlos César, nada a acrescentar. Como diz o povo... cada um toma a que quer.

Artigo publicado no jornal “I” a 27 de junho de 2019

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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