Precisamos de mais imigrantes. Sim, e então?

porJosé Manuel Pureza

10 de junho 2018 - 21:44
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O Governo tem que escolher entre ser coerente com o seu próprio discurso sobre o primado dos direitos de todos ou com o dualismo entre imigrantes pobres e imigrantes ricos que a direita pôs na lei.

Há as afirmações e há a prática. António Costa disse que Portugal precisa de mais imigrantes. Disse bem. Numa ótica estritamente utilitária, precisamos de imigrantes para nos ajudarem a ultrapassar todas as consequências dos saldos demográficos negativos que se instalaram entre nós. E, já agora, precisamos de imigrantes numa ótica que não é utilitária: porque eles nos enriquecem cultural e civicamente.

Mas depois há a prática. Temos mais de 30.000 imigrantes indocumentados em Portugal. Gente que aqui trabalha, aqui desconta para a Segurança Social, aqui paga impostos. Que requereu a sua regularização há meses, há anos. E gente a quem o Estado condena a manter-se na irregularidade – e na consequente fragilização de direitos – por causa da combinação entre super-rigorismo e negligência da administração, fundada na estúpida presunção de que um imigrante irregular é uma potencial ameaça para a segurança nacional. Admitimos mais imigrantes desde que permaneçam indocumentados e não possam, portanto, reivindicar os seus direitos, é isso?

Em matéria de política de imigração, o Governo escolheu ser coerente não com a política de direitos humanos mas com a política de Paulo Portas. Foi o então líder do CDS que introduziu na lei portuguesa a figura dos vistos gold. Passadeira vermelha para quem traz 500.000 euros para comprar uma vivenda, calvário e ilegalidade para quem traz só a sua força de trabalho e a vontade de ganhar a vida – foi essa a dualidade criada pelos vistos gold.

Disseram os patronos dos vistos gold que se justificava atrair investimento estrangeiro criador de emprego em Portugal. Embuste: dos 120 vistos gold atribuídos em maio, 114 foram para aquisição de imóveis de luxo. Na verdade, a compra do imóvel é um pretexto. O que os 500.000 euros compram é mesmo uma autorização de residência em Portugal, vezes demais para lavar dinheiro e para corromper. A especulação imobiliária assim alimentada vem por arrastamento.

 

Precisamos de mais imigrantes? Precisamos, sim. Mas não para sermos porto de abrigo de criminalidade económica de máfias de novos ricos nem para alimentar bolhas imobiliárias que nos hão de rebentar nos salários e nas pensões.

O Governo tem que escolher entre ser coerente com o seu próprio discurso sobre o primado dos direitos de todos ou com o dualismo entre imigrantes pobres e imigrantes ricos que a direita pôs na lei. A regularização dos imigrantes indocumentados e a revogação da figura dos vistos gold são o teste do algodão de qual das coerências é preferida pelo Governo. Na prática e não só no discurso.

Artigo publicado no diário “As Beiras” a 9 de junho de 2018

José Manuel Pureza
Sobre o/a autor(a)

José Manuel Pureza

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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