Porta-a-Porta: ainda estamos aqui

porManuel Afonso

22 de abril 2025 - 19:26
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O país já sabe, o Bloco está a fazer uma campanha diferente. Estamos à tua porta de Norte a Sul, como um exército de empatia ativista que bate à porta e, em vez de desbobinar a cassete, perguntamos: “O que a preocupa, na sua vida, no país? O que gostaria de ver mudado nestas eleições?”

O país já sabe, o Bloco está a fazer uma campanha diferente. Chamamos-lhe “porta-a-porta” e, dirão alguns, que isso sempre foi feito – “bem-vindos ao clube!”. Agradecemos as boas-vindas, mas isto é diferente: organizamo-nos de baixo para cima, mas disciplinarmente, estudamos os bairros prioritários, formamos os participantes, harmonizamos argumentos, definimos objetivos. Só não somos como uma máquina porque não há nada mais humano do que isto. Estamos à tua porta de Norte a Sul, como um exército de empatia ativista que bate à porta do enfermeiro, da professora, do operário, da jovem, do aposentado. E, em vez de desbobinar a cassete, perguntamos: “O que a preocupa, na sua vida, no país? O que gostaria de ver mudado nestas eleições?”

E ouvimos, ouvimos, ouvimos. Falamos, certamente, mas porque isso é natural: o que mais apoquenta o nosso povo são as mesmas questões que movem a campanha do Bloco. Habitação, saúde, tempo para viver, desigualdade. Quem nos abre a porta e dispensa três minutos, sem saber, já tem, na maioria dos casos, a campanha do Bloco na ponta da língua.

Outras vezes não. Sabemos que há confusão, medos, preconceitos, insegurança. Sentimentos que germinam da vida dura e precária da maioria que trabalha e que são politizados de formas reacionárias por uma gigantesca campanha que entra casa adentro pela TV e pelas redes sociais – mas nunca pela porta, nunca olhos nos olhos, nunca com disposição de ouvir.

Posso falar pela minha experiência, mas também pelos relatos de outros camaradas. Posso falar do jovem que vive numas águas furtadas na Penha de França, em Lisboa, e nos agradece estarmos a fazer esta campanha. É a senhora nas Mercês, Linha de Sintra, que diz ter o voto decidido, ao que parecia no PS, e depois de falar connosco garante que “o voto também serve para mudar”. É o casal, em Chelas, que indicando a “imigração” como a sua maior preocupação, concorda com o teto às rendas e, trabalhando por turnos, confirma que a extrema-direita nada tem a dizer sobre isso, acenando positivamente a cada um dos nossos argumentos. É a idosa que se queixa de não receber nenhuma pensão e recorda como a casa onde vive foi por ela ocupada durante o PREC. E tantas outras conversas assim.

E, por isso, o porta-a-porta é poderoso. Lembra-nos que é possível conversar com quem pensa diferente, até com quem está ressentido; muitas das vezes, com quem está inclinado a dar o seu voto às ideias mais opostas às nossas. Porque, na maioria dos casos, não são convicções cristalizadas que empurram a nossa gente para o abismo da descrença. É a raiva, o desespero, a falta de perspetivas, a ausência de um contraditório decidido e empático de uma esquerda fora da bolha que sabe ouvir e tem propostas à altura – o teto às rendas, mais direitos para quem trabalha por turnos, que sejam os mais ricos a pagar mais impostos para podermos investir na saúde e na educação.

Do nosso lado, de início, há uma certa ansiedade. “Será que nos vão ouvir? Num país em que o neofascismo disputa os 20%, não é suicidário batermos às portas sem saber o que nos aguarda do outro lado?”

Não, não é. O país não é uma caixa de comentários de um jornal online. Sem o anonimato das redes, a manipulação do algoritmo, a distorção das notícias-lixo, as pessoas são só pessoas. Que trabalham no duro, que têm receios, que querem o melhor para si e para os seus. E que querem ser ouvidas. É esse país que descobrimos no porta-a-porta. A gelada barreira mútua do medo, de receio do confronto, que existe de lado a lado e que foi metodicamente plantada pela extrema-direita política e mediática, derrete com o desenrolar das conversas. É possível falar, perceber, convencer. Dar esperança aos nossos e tocar os corações e as mentes dos outros.

Como se vai concretizar tudo isto em votos? Não sabemos ainda. Quanto maior for o esforço, melhor será o resultado, isso é certo. Mas o que está em jogo é muito mais amplo: é sair da defensiva, ir à disputa, perceber o país. É formar uma esquerda popular de combate que se enraíza no trabalho de base, nas eleições e muito para além delas. É constatar que, para lá da mentira do algoritmo, a esquerda não está sob cerco. As nossas ideias batem fundo. Podemos vencer.

Ainda estamos aqui. E isso não é pouco, é quase tudo. Somos do Bloco de Esquerda, tem três minutos para conversarmos?

Manuel Afonso
Sobre o/a autor(a)

Manuel Afonso

Assistente editorial e ativista laboral e climático
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