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Porque é que a mineração marinha não começa já amanhã?

É crucial começar esta discussão exatamente agora. Perguntarmo-nos se, em rigor, queremos investir nesse tipo de investigação e se queremos expor o mar dos Açores a uma tentação que tenderá a levar à voracidade.

A mineração do mar profundo em águas portuguesas não vai começar já amanhã. Mas isso não é exatamente porque o ativismo ambiental esteja a ser mais forte do que a vontade política, nem é exatamente porque a vontade política esteja a ser mais forte do que a pressão económica. Sem desmerecer os esforços ambientalistas e políticos, antes louvando a capacidade de mobilização e de introdução do tema no necessário debate público, há uma razão bem séria para que a mineração no mar português não comece já amanhã.

Importa esclarecer que quando falamos de mar português, neste caso em particular, estamos a falar sobretudo do mar dos Açores. Mais especificamente da Crista Média Atlântica, que a Zona Económica Exclusiva cobre em parte e virá a cobrir ainda mais se for aceite na ONU a proposta portuguesa para a extensão da plataforma continental. Foi nas fontes hidrotermais e nos montes submarinos desta crista que se encontraram, respetivamente, sulfuretos polimetálicos e crostas de cobalto, matérias de especial interesse para a mineração.

Embora os discursos oficiais continuem a afirmar que é preciso conhecer os impactos ambientais que a atividade mineira pode vir a ter nos ecossistemas marinhos, já não é esse o ponto em que estamos em termos de conhecimento. Existe sobeja informação a respeito dos impactos negativos deste tipo de prospeção e exploração na vida marinha, mas, apesar disso, a mineração não foi riscada das agendas e das estratégias nacionais.

A justificação atual para não parar o processo é a de que é preciso “conferir sustentabilidade” a esta atividade. Assim, esse objetivo foi incluído no investimento do “Cluster do Mar dos Açores”, que faz parte da componente Mar do Plano de Recuperação e Resiliência. Outro investimento desta componente (a Plataforma Naval Multifuncional) inclui a aquisição de um Rov Drill, um robot que opera até aos 6000 m de profundidade e tem capacidade de perfuração para a recolha de amostras minerais no subsolo marinho. O documento é claro: “note-se que a área portuguesa (e em particular a crista atlântica) tem importantes recursos geológicos e biológicos que têm de ser afirmados, que temos de conhecer”.

“Temos de conhecer”. Teremos? Não parece estar a haver debate neste ponto. Será o conhecimento um valor absoluto? Chegados aqui, surge o argumento de que o mais poderoso motivo pelo qual a mineração marinha não avança já amanhã é não conhecermos. Em especial, não sabermos se as quantidades de matérias com interesse comercial existem em quantidade suficiente para justificar a sua exploração industrial.

Já temos suficiente experiência dos resultados deste género de processos para não sermos ingénuos ao ponto de pensar que, uma vez encontradas grandes quantidades da matéria procurada, o principal objetivo estratégico continue a ser o de “conferir sustentabilidade” à atividade e não o de gerar riqueza seja qual forem as incertezas e as consequências. O que mais se tem afirmado ultimamente é que se quer conferir sustentabilidade a todo o tipo de atividades e, no entanto, a insustentabilidade, as contingências e a não aplicação do princípio de precaução aumentam sistematicamente na globalidade dos setores, sobretudo nos mais sujeitos ao extrativismo.

Não se deve empurrar a discussão pública para uma fase posterior em que hipoteticamente se venham a ter informações para calcular e comparar o retorno económico da exploração com os custos ambientais implicados. É crucial começar esta discussão exatamente agora - e teria sido preferível tê-la começado há mais tempo. Perguntarmo-nos se, em rigor, queremos investir nesse tipo de investigação e se queremos expor o mar dos Açores a uma tentação que tenderá a levar à voracidade. Se, enfim, é mesmo em “monetizar o nosso mar” que nós, portugueses, e nós açorianos, estamos interessados.

A atual versão do artigo foi corrigida e publicada dia 30 de novembro às 15h55

Sobre o/a autor(a)

Licenciada em Cinema, mestre em Comunicação e Media, bolseira de doutoramento em Sociologia no ICS da Universidade de Lisboa. Nasceu em Lisboa e vive na Horta, Açores, desde 2008. Co-diretora do Festival Maravilha na Horta
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