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Por que falta e vai continuar a faltar sangue nos hospitais?

O governo aposta no desmantelamento da capacidade de recolha do instituto e na transferência dessa responsabilidade para os hospitais. É um erro de consequências muito graves.

Muito recentemente, diversos hospitais de diferentes pontos do país têm publicamente assumido continuarem confrontados com falta de sangue para satisfazer as necessidades dos seus doentes.

Esta arrastada e continuada falta de sangue resulta da persistente diminuição do número de dadores e de colheitas realizadas pelo IPST (Instituto de Sangue e da Transplantação) e que o governo não consegue resolver. Há hospitais que para poupar nas transfusões de sangue dão comprimidos de ferro aos doentes.

No mês de Abril do corrente ano, a redução foi de 11,2%, correspondendo a menos 2307 colheitas em igual período de 2011. A quebra mais acentuada foi no Centro (Coimbra): menos 23,12%.

Há portanto, hoje, menos colheitas e menos dadores. Menos dadores em virtude da desmotivação provocada pela decisão do governo de acabar com a isenção do pagamento de taxas moderadoras – reconhecimento e recompensa mínima, até agora em vigor, por um gesto solidário e altruísta.

E, menos colheitas, quer porque as associações de dadores viram fortemente diminuídos os apoios públicos à sua atividade de organização de recolhas quer porque o IPST está profundamente desorganizado – em virtude das mudanças introduzidas precipitadamente e de um quadro de colaboradores fortemente reduzido.

Apenas a título de exemplo, citamos o caso de uma recolha efetuada em Ponte-de-Sôr, no dia de 14 de abril de manhã: compareceram 35 dadores, quando era usual estarem entre 130 a 150.

O governo – e, portanto, a direção do IPST, apostam no desmantelamento da capacidade de recolha do instituto e na transferência dessa responsabilidade para os hospitais. É um erro de consequências muito graves – algumas das quais já bem visíveis - e uma orientação que contraria toda a evidência da própria história do então chamado Instituto Português de Sangue.

Quando as colheitas eram efetuadas praticamente apenas pelos hospitais, isto é até 1993, o índice de dádiva era de 18/1000 habitantes por ano. Com o IPS, cresceram até 2010, para 40/1000 habitantes, permitindo a satisfação plena das necessidades do país em sangue.

No ano seguinte, a inversão do caminho escolhido pelo IPS, fez as recolhas baixar para 37/1000 habitantes. E, em 2012, esse número continua a descer.

O governo insiste numa opção errada e que não vai conseguir estancar a redução das colheitas nem equilibrar as reservas de sangue. Os hospitais são para tratar doentes e não para consumir tempo, energia e meios a arranjar dadores e a recolher sangue.

É urgente restabelecer a autonomia do país em matéria de disponibilidade de sangue e impedir o desmantelamento do IPST enquanto centro de uma rede nacional de recolha de sangue. O governo devia proceder a uma auditoria à organização e funcionamento do IPST que permita a regularização da sua atividade e colocar o IPST no centro da recolha de sangue. E, urgentemente, devolver aos dadores a isenção de pagamento das taxas moderadoras.

O desmantelamento do IPST abre portas à privatização do “negócio” do sangue, velha ambição da direita. Seria mais uma profunda machadada no SNS.

Sobre o/a autor(a)

Médico. Aderente do Bloco de Esquerda.
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