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A política em tempos da Internet 2.0

Há 30 anos surgiu uma ferramenta que revolucionaria as nossas sociedades para sempre: a Internet.

O protocolo World Wide Web (WWW), criado pelo norte-americano Tim Berners-Lee no ano em que nasci, foi inicialmente pensado para partilhar informação entre investigadores, evoluindo para sistema de gestão de informação e, mais tarde, servidor.

As grandes lutas por direitos cívicos e pela democracia mantêm-se, embora com contornos e formas diferentes

Dificilmente quem está a ler este artigo consegue imaginar a sua rotina diária sem o acesso direto e imediato à informação e comunicação. O mesmo é verdade para a forma como, por estes dias, se faz política dentro ou fora das instituições.

Com um clique a qualquer hora do dia sabemos quem ganhou as eleições do outro lado do hemisfério ou quantas pessoas saíram à rua em defesa da democracia em Hong Kong. Um curto tweet do líder da Casa Branca pode marcar o dia e provocar a ansiedade das praças financeiras ou um vídeo publicado no Facebook por um pai que conseguiu meter a filha a rir-se das bombas de Idlib pode dar a volta ao mundo e marcar a narrativa sobre os horrores da guerra na Síria.

O acesso imediato à informação e a facilidade com que qualquer pessoa pode produzir um conteúdo informativo e, em teoria, criar um facto político acelerou a velocidade política e criou uma nova escala para as suas atrizes.

Recordemo-nos que as revoltas da Primavera Árabe ou das praças dos indignados se organizaram nas plataformas digitais ou, hoje, a Greve Climática Estudantil. Dificilmente estes exemplos de resistência cívica internacional teriam explodido sem o catalisador de partículas da internet 2.0.

Democratizou-se o acesso ao espaço público para reivindicar mudanças. Este tipo de democratização alargada do espaço público não existia há 30 anos e isso faz toda a diferença no que toca às reivindicações dos nossos tempos.

Mas quanto mais percebemos o funcionamento das redes sociais, mais percebemos que esta democratização de acesso esbarra com um dos desafios da era digital: o algoritmo.

É aquilo que define o que vemos e em que momento. Escândalos recentes como a Cambridge Analytica provaram que há uma opacidade gritante na forma como a informação nos chega, porquê, quando e quem favorece. É preciso democratizar o algoritmo. Sem essa democratização continuamos a não ter um controlo da informação, os nossos dados digitais continuam a pertencer a empresas, nem temos regras do jogo claras.

Tal como o combate às fake news, que é urgente porque a sua propagação é rápida e tem servido de veículo de transmissão de movimentos de extrema-direita, a luta pela democratização das redes sociais e do algoritmo é um dos combates do nosso século. A quem pertencem os nossos dados e quem e como decide aquilo a que temos acesso.

Pode ainda não parecer uma luta alargada, mas, quando percebemos que a política se faz cada vez mais através de ferramentas digitais, têm que existir garantias de transparência, proteção, democracia. Quem fazia política há 30 anos, sem nenhuma destas ferramentas, pode ainda ter dificuldade em fazer esta transição. Mas ela é inevitável, apesar de alguns se manterem agarrados a cânones que têm menor adesão à realidade.

Podem ter passado 30 anos, mas as grandes lutas por direitos cívicos e pela democracia mantêm-se, embora com contornos e formas diferentes. Esta diferença face há 30 anos não significa, necessariamente, que quem se mantém na política desde aí não se consiga adaptar, mas são precisos esforços grandes para perceber que “antigamente é que era melhor” ou que hoje em dia já “não se debate a sério”. Com as décadas chegam alterações, quem faz política tem, necessariamente, que se adaptar a elas e moldar a política para responder às novas reivindicações. Não era melhor nem pior, mas é seguramente diferente.

Artigo publicado em Público 30 anos, 5 de março de 2020

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Licenciada em Ciências Políticas e Relações Internacionais e mestranda em Ciências Políticas
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