A Política da Rampa Deslizante - só não vê quem não quer

porIsabel Pires

04 de novembro 2024 - 16:55
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Das contra-reformas à rampa deslizante é um pequeno passo para o Governo PSD/CDS, mas uma mudança profunda no cenário político atual. O perigo das rampas deslizantes é exatamente este: são o convite à normalização parlamentar e institucional da extrema-direita.

Das contra-reformas à rampa deslizante é um pequeno passo para o Governo PSD/CDS, mas uma mudança profunda no cenário político atual. O governo do PSD/CDS tem marcado a sua governação por uma aparente tentativa tática de distanciamento do Chega, mas são os próprios membros do Chega que acusam Montenegro de lhes estar a roubar o programa..

Olhemos para o Orçamento de Estado apresentado. É um orçamento que traz alçapões muito perigosos, em particular para os serviços públicos. Para os funcionários públicos há uma clara desvalorização e o regresso da regra “um por um” vai trazer dificuldades crescentes a serviços públicos que já estavam antes em dificuldades. Na área da saúde, por exemplo, a única coisa que a direita traz é o aprofundamento brutal da privatização da mesma, sem qualquer vontade de resolver os problemas com os profissionais de saúde. Além disto, a direita inclui no orçamento uma autorização legislativa para alterar a lei de trabalho em funções públicas, mas não diz o que quer alterar. Podemos adivinhar, e não é nada de bom: um cheque em branco para ataque a direitos laborais.

E quem regressa para nos assombrar? A mão escondida das cativações. O que é que isto significa? Significa, inevitavelmente, desinvestimento nos serviços públicos. Não vale de nada orçamentar valores que depois não serão utilizados. As escolas continuam a precisar de obras e de professores, os hospitais continuam a precisar de mais profissionais (médicos, enfermeiros, técnicos, auxiliares), os tribunais continuarão a precisar de mais oficiais de justiça. No geral, todos os serviços públicos precisam de profissionais bem pagos, tantos com carreiras congeladas ou tabelas salariais antigas e baixas, que não fazem frente ao aumento do custo de vida.

Por outro lado, o orçamento tem um plano de venda de património que pode ascender aos 900 milhões de euros. No meio de uma crise de habitação, com tantos setores a precisarem de habitação, a escolha é a venda. O Governo demite-se de uma política pública de habitação e entrega à ganância do mercado mais imobiliário para a especulação.

Ora, perante isto, o PS promete viabilizar o orçamento. Não foi um outro orçamento qualquer, foi este, com as consequências que trará para quem trabalha neste país.

Confortável com o respaldo essa viabilização, o PSD aproveita para deslizar ainda mais para a direita, apropriando-se de parte do programa do Chega e do seu discurso. Exemplo: o discurso final de Montenegro no Congresso do PSD há quase 2 semanas. Tentar desviar as atenções do debate do orçamento e dos problemas que o país atravessa com uma suposta doutrinação de crianças através da disciplina de cidadania é digno de um qualquer Ventura ou Bannon.

Podemos olhar igualmente para o discurso do PSD sobre migração, com o seu expoente mais reacionário e colado à extrema-direita em Moedas no discurso de 5 de outubro, ou na decisão do governo de acabar com as declarações de interesse.

O que faz o Chega neste cenário? Grita que está a ser roubado pelo PSD e tem de carregar nas tintas reacionárias de extrema-direita, bem patente nas várias vezes que se referiu ao caso da morte pela política de Odair Moniz e tudo o que se lhe seguiu. Desde pedir a condecoração para quem mata, até à apologia do ódio e do crime, passando pela discriminação em função da cor da pele apelidando todas as pessoas dos bairros de “bandidos”.

O que faz então PSD? Endurece o discurso, torna-se mais autoritário. O perigo das rampas deslizantes é exatamente este: são o convite à normalização parlamentar e institucional da extrema-direita, do seu discurso e das suas ideias, apesar das suas ameaças à democracia portuguesa. Conclui-se facilmente que a decisão do PS de viabilizar o orçamento serviu para dar oxigénio ao governo da rampa deslizante e à sua política.

Há outra coisa que as últimas semanas demonstraram: o Bloco de Esquerda é a única alternativa à política da rampa deslizante. Somos a oposição às políticas deste orçamento que destroem os serviços públicos, aumentam as desigualdades, não têm uma resposta sobre habitação. Somos a coragem que não cede um milímetro na defesa da justiça e luta pelo fim da violência racista que ainda grassa em Portugal. Somos a solidariedade que marca presença em todas as lutas dos trabalhadores, como tem sido exemplo nas últimas semanas vários profissionais de saúde, trabalhadores vidreiros por turnos, bolseiros ou professores.

A política da rampa deslizante chegou a Portugal, como já tinha chegado a outros países europeus. Saber de que lado nos posicionamos, à esquerda, não devia ser tarefa difícil. É por isso que o Bloco cá está: é o antídoto necessário.

Isabel Pires
Sobre o/a autor(a)

Isabel Pires

Dirigente do Bloco de Esquerda. Licenciada em Ciências Políticas e Relações Internacionais e mestranda em Ciências Políticas
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