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Políticos natos

A excepcionalidade é sempre uma má anedota. Não é nela que se encontra o segredo da política. Não é ela que resolve crises.

O bebé do ano de 2011 nasceu frustrado. E não é pela crise que fustiga a geração dos seus pais. Essa, esperanças de recém-nascido, já poderá ter passado há muito quando chegar à maioridade. O problema é que, inflado à nascença de ambição política, terá ouvido dizer que ainda está por nascer quem possa fazer melhor pelo défice do que Sócrates e também que para ser mais honesto do que Cavaco é preciso nascer duas vezes. Assim, face aos colossos da política actual, sentiu toda uma carreira política acabada ainda antes de ter começado: a competência técnica esgotou por várias gerações e a seriedade está num patamar pura e simplesmente impossível de superar. Nascido apenas uma vez e em Portugal, não há volta a dar-lhe. A quota dos políticos excepcionais está preenchida.

Os excepcionais gémeos dizigóticos do sistema

A veemência colocada na questão do nascimento, que marcaria uma excepcionalidade auto-atribuída, leva-nos a pensar que há um problema nato de modéstia na classe dirigente da política nacional e que isso a une tanto como as suas propostas políticas gémeas de gestão da crise.

Cavaco construiu o seu boneco valorizando a honestidade que pretendia exibir na cara fechada e a seriedade que mostrava com um certo tom de voz. Resvalou-lhe a figura muitas vezes para o autoritarismo. Gestor de silêncios e engenheiro de tabus, foi o tecnocrata do betão em tempo de vacas gordas e o inventor do discurso do oásis quando a coisa deu para o torto.

Sócrates, por sua vez, construiu o seu boneco como um corredor de fundo: exibia um fôlego de quem acreditava que poderia sempre continuar a correr apesar de todos os escândalos. Com um sorriso na lábia. A acompanhar trouxe um arraial yuppie de “novas tecnologias” que modernizariam o país em inglês técnico. Mal a sua competência ímpar foi injustiçada pela crise internacional e já na mensagem de Natal trazia pronta a sua versão de um oásis a contracorrente da austeridade.

Os excepcionais nunca se enganam e quando há problemas têm refúgio certo num país das maravilhas. Nele, a dureza das crises é recalcada. Até porque quem as paga é certamente personagem menor.

Soluções excepcionais

É porque os homens excepcionais são capazes de soluções excepcionais que se deve confiar neles. Daí que não devamos cair na armadilha de questionar o que se passou no famoso investimento na SLN por parte de Cavaco Silva através de qualquer desconfiança na sua integridade (até porque supõe-se que o senhor dos tabus saberá desmontar a armadilha a seu tempo). Se abordarmos a questão confiando na excepcionalidade de Cavaco, deveremos procurar saber os meandros do negócio para aí descobrir se o segredo de rapidamente obter dividendos na ordem dos 140% se pode multiplicar, nacionalizar e ser democratizado. Porque, continuando o caminho trilhado pelos PECs, ou um homem excepcional com um investimento excepcional resolve problemas como o buraco financeiro do BPN e o dos submarinos, ou ainda estarão para nascer aqueles/as que vão conseguir pagar a crise. Ou então será preciso que cada um/a dos/as trabalhadores/as portugueses/as nasça duas vezes para nos serem aplicadas medidas de austeridade a dobrar.

A excepcionalidade é sempre uma má anedota. Não é nela que se encontra o segredo da política. Não é ela que resolve crises.

Sobre o/a autor(a)

Professor.
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