Tivesse sido difundida com a intensidade com que são disseminadas algumas “notícias” com fundo de verdade deveras duvidoso e poderia ter sido uma verdadeira machadada nas teorias pilares da extrema-direita cá do burgo dos últimos anos.
De acordo com o Observatório das Migrações, em 2022, os imigrantes contribuíram com 1861 milhões de euros para a Segurança Social portuguesa, tendo apenas beneficiado de 257 milhões de euros, o que perfaz um saldo positivo de cerca de 1600 milhões de euros.
Foi, segundo o observatório, o “valor mais elevado de sempre” de contribuições de imigrantes desde que há registo. Note-se ainda que os imigrantes constituem, atualmente, 7,5% do total da população nacional, mas as suas contribuições pesam 13,5% no total arrecadado pela Segurança Social.
Um número que poderia ainda ser aumentado se todos estes imigrantes tivessem contratos de trabalho legalmente registados e as suas entidades patronais declarassem todos os seus rendimentos.
Serve esta pequena e simples análise a dados oficiais e concretos para desmentir algumas das teorias que têm sido bombardeadas pelas redes sociais, sob a forma de vídeos racistas, xenófobos e quase sempre manipulados e nas quais muitos cidadãos comuns, em situação de aperto financeiro, são tentados em cair.
Teorias racistas nos meios de comunicação social mainstream
Uma dessas teorias, defendida em artigos de opinião que vão passando pelos pingos da chuva em alguns jornais mainstream supostamente isentos – como o “Observador” – e que, à boleia de uma suposta liberdade de expressão purista, permitem a publicação de qualquer tipo de verborreia intelectual sem questionar a sua origem, é a Teoria da Grande Substituição.
Esta “teoria”, publicada em 2010 sob o título “Le Grand Remplacement” numa “obra” escrita pelo francês Renaud Camus, defende que existe uma conspiração de elites para substituir o poder político e a cultura da população branca nos países ocidentais por estrangeiros vindos de outros continentes.
Na base desta teoria estão dados como a taxa de natalidade mais elevada da população imigrante, nomeadamente africana e asiática. Uma premissa também utilizada para atacar a comunidade judaica e que tornou Camus num ideólogo dos movimentos supremacistas brancos um pouco por todo o mundo.
Marine Le Pen, Viktor Orbán e Donald Trump foram alguns dos líderes da extrema-direita mundial que recorreram à Teoria da Grande Substituição para justificar ataques às comunidades migrantes nos seus países, com base em que estaria em marcha um plano diabólico para a destruição da raça branca e pela sua substituição por migrantes dos continentes africano e asiático.
A teoria também tem ganho adeptos por cá, incluindo alguns ilustres “opinadores” de jornais como o “Observador” e também políticos e defensores dos partidos de extrema-direita. De uma forma mais ou menos trauliteira, esta teoria é difundida via redes sociais, quase sempre através de perfis falsos, acompanhada por vídeos de locais onde há uma maior concentração de população migrante, como é o caso do Martim Moniz, em Lisboa.
Locais onde, provavelmente, nunca nenhum deles foi, ou saberia, por exemplo, que o comércio em Lisboa, sobretudo a restauração, estaria moribundo na baixa da capital se não fosse esta comunidade imigrante, que trabalha de sol a sol por salários que os portugueses não querem ganhar.
Qualquer tipo de situação ilícita ocorrida com imigrantes é, de imediato, amplificado até à exaustão e respaldado nesta teoria, como forma de exemplificar que, como sempre defendem, eles é que “tinham razão”.
É assim que funciona e tem tido cada vez mais eco e ganho adeptos que, à boleia de um contexto económico e social difícil, vão acreditando e contribuindo para propagar esta “verdade” pelos seus contatos mais próximos.
São os dados que destroem as teorias e os mitos racistas
Como sempre, é difícil mostrar a quem não quer ver que está errado. Daí a importância da divulgação deste tipo de dados, de fontes oficiais e isentas, e que demonstram matematicamente que esse tipo de teorias são fantasias alimentadas por gente racista, xenófoba e que faz do discurso do ódio a sua principal arma de arremesso político.
Não fosse a comunidade imigrante, sobretudo a que vem de países africanos, asiáticos, do Brasil e do leste europeu e a economia portuguesa estaria muito pior, com especial incidência em setores considerados chave para o modelo de desenvolvimento económico atual, como o turismo, a restauração, a construção civil, a agricultura e a logística e distribuição.
Além de contribuírem ativamente para o desenvolvimento da economia, sobretudo nos setores supracitados, ainda vêm alavancar o saldo da Segurança Social, contribuindo com muito mais do que aquilo que efetivamente recebem.
E isto vivendo, muitas vezes, em situações sub-humanas, explorados por empresários sem escrúpulos e criminosos, como nas explorações agrícolas de Odemira, na apanha da ameijoa no Samouco, nas plataformas TVDE, na hotelaria ou na construção civil.
Por outro lado, contribuem igualmente para o rejuvenescimento da demografia, uma vez que os casais portugueses têm cada vez menos filhos e a pirâmide etária teima em apresentar-se cada vez mais invertida.
E, mesmo assim, são alvo de maus-tratos, discriminação, situações precárias de vida, salários miseráveis e à margem da lei, condições habitacionais desumanas e assédio no trabalho, moral e, muitas vezes, sexual.
Fora os ataques racistas que, volta e meia, provocam vítimas mortais, como o que se passou no passado dia 5 de dezembro, em Setúbal e que vitimou Gurpreet Singh, cidadão imigrante de nacionalidade indiana, que foi morto com um tiro de caçadeira no peito.
O racismo e a xenofobia matam e é preciso desconstruir os mitos e falácias que são disseminados como baratas nas redes sociais e envenenam cada vez mais gente. E são números como os que aqui se trazem e que deveriam ser noticiados com a importância que realmente têm, o verdadeiro antídoto para desconstruir as mentiras da extrema-direita.
