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Pelo direito à saúde reprodutiva e sexual

O paradigma neoconservador que assola a Europa investe igualmente no ataque ao reconhecimento e efetivaçãodo direito fundamental da mulher à saúde sexual.

 

A crise e as medidas de austeridade têm efeitos perversos na vida de (quase) todos os cidadãos, mas sobretudo na das mulheres. São elas quem, na maior parte dos casos, continua a ter o ónus da educação dos filhos. São elas quem tem, consequentemente, maior dificuldade no acesso ao emprego e na progressão na carreira. São a maioria das famílias monoparentais. São as mais afectadaspelo desemprego, pela precariedade e pelos baixos salários. As desigualdades salariais acentuam-se e a violência doméstica não lhes oferece tréguas. Também a degradação dos serviços públicos, desde a escola à saúde, o encerramento de serviços de saúde primários e de proximidade ou as dificuldades de acesso a exames complementares de diagnósticos são especialmente gravosos para as mulheres.

Mas o paradigma neoconservador que assola a Europa investe igualmente no ataque ao reconhecimento e efetivaçãodo direito fundamental da mulher à saúde sexual. Um pouco por toda a Europa, tem-se assistido a retrocessos e restrições inadmissíveis no direito das mulheres à saúde sexual e reprodutiva. Veja-se, por exemplo, os recentes ataques ao direito ao aborto na vizinha Espanha.

Neste contexto de forte ataque e de laboração em torno de um regresso ao passado em que a livre escolha deixa de ser uma opção, em que o corpo da mulher deixa de lhe pertencer, em que voltam a ser condenadas a uma condição de subalternidade, de menoridade, dependentes economicamente e subjugadas na sua condição de ser humano por uma sociedade conservadora, tradicionalista e machista, o GUE/NGL promoveu no passado dia 6 de Março em Bruxelas, um seminário sob o lema 'Defender os direitos e a saúde sexual e reprodutiva – assegurar o acesso a todas as mulheres'.

Vale a pena olhar para o mapa da Europa:

Em França, resultado da crise e das medidas de austeridade, fecharam 141 serviços de interrupção voluntária da gravidez, entre 2000 e 2009.

Na Noruega, debate-se a aprovação de uma proposta de Lei que consagra a invocação de objeçãode consciênciaao aborto, não só para os médicos mas também para os cuidadores primários de saúde.

Em Itália, o recurso à objeçãode consciência tem conduzido à impossibilidade da interrupção voluntária da gravidez em diversas regiões do país.

Na Irlanda, a IVG é proibida em qualquer circunstância, excetose houver perigo expresso de vida para a mulher. A pena de prisão pode chegar aos 14 anos. Consequentemente, e para as que podem aceder, o aborto clandestino ou o recurso à IVG noutros países são a única solução disponível.

Na Polónia, a IVG é igualmente proibida, excetose houver perigo expresso de vida para a mulher, se for resultado de crime ou em caso de malformação do feto. Os médicos são criminalizados por executarem IVG fora das normas. Devido à pressão social e condenação moral, o aborto, mesmo praticado em condições legais, é quase inexistente no país. Em 2009 registou-se apenas um aborto por cada 1000 mulheres entre os 15 e os 44 anos, e entre 2010 e 2011 nenhum. Não existe distribuição gratuita de preservativos nem contraceçãocomparticipada pelo Estado. A esterilização voluntária não é permitida. A objeçãode consciência é prática generalizada entre médicos e farmacêuticos e a educação sexual é candidamente denominada de “preparação para a vida familiar”. A informação contida contém conceitos erróneos e não é científica, sendo prestada por profissionais não especializados e, em muitos casos, por padres e freiras. Atualmentedebate-se na Polónia a possibilidade de proibir o aborto também em caso de malformação do feto.

Em Espanha, o aborto, atualmenteconsiderado um direito da mulher, pode voltar a ser delito. A reforma da Lei aprovada em Conselho de Ministrosdo governo de Mariano Rajoyelimina a possibilidade de interrupção voluntária da gravidez em caso de malformação do feto e apenas a permite em situação de grave perigo de vida para a mulher (até às 22 semanas) ou em caso de violação (até às 12 semanas).

Em Portugal, na sequência de uma petição intitulada "Acabar com o aborto gratuito" promovida por organizações reacionárias anti-aborto, foi discutido no Parlamento, em vésperas do dia internacional da mulher, o fim da isenção de taxas moderadoras para a prática de aborto no Serviço Nacional de Saúde. Não é difícil perceber que se trata de um primeiro ensaio para um ataque ao direito das mulheres decidirem sobre o seu corpo e ao direito ao aborto conquistado em 2007.

Este mapa faz-nos perceber que não se trata de um conjunto de situações isoladas, mas de uma onda conservadora que domina os governos de direita um pouco por toda a Europa. Justificada pelas restrições económicas decorrentes da crise, a ideologia que querem impor significa um regresso ao obscurantismo, à perseguição, à humilhação, à condenação e à menoridade da condição de mulher. Querem-nos de volta às cozinhas, esposas e mães de carreira, submissas e subalternas, vazias de pensamento próprio e poder de decisão.

Percebemos ainda que apesar da consagração na lei de direitos fundamentais, não nos podemos arrogar o direito de tomá-los como adquiridos. A vigilância e a luta têm de ser constantes.

A reivindicação da defesa dos direitos das mulheres e especialmente do acesso à saúde sexual e reprodutiva através de um Serviço Nacional de Saúde eficiente, tem de estar na agenda do Bloco de Esquerda.

A solidariedade entre Estados, a troca de informações, a partilha de boas práticas, a organização de campanhas de sensibilização e informação, têm de fazer parte do quotidiano dos partidos, dos movimentos sociais, das organizações feministas. É igualmente imperativo uma melhor e maior articulação entre estados na promoção de açõesde defesa dos direitos das mulheres. Um partido como o Bloco de Esquerda tem a responsabilidade de estar na primeira linha desta luta, assim como o Partido da Esquerda Europeia, o GUE-NGL e todas as plataformas que, a nível europeu, se constituam para travar esta sombra que cobre a Europa e para lutar pelos direitos das mulheres. Não há tempo para pausas. A luta impõe-se. Coragem sobra-nos. Avancemos pois.

Sobre o/a autor(a)

Feminista e ativista. Socióloga.
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