Pedro Passos Coelho publicou, na segunda feira, um ensaio onde expõe a sua análise da crise que atravessamos, aponta as causas para o problema do endividamento público e também as medidas a tomar para solucionar o problema da economia portuguesa.
Segundo o líder do Partido Social Democrata, o problema reside no aumento das despesas com áreas sociais a partir do 25 de Abril, que conduziu a um aumento dos impostos. O aumento da dívida pública, garante, deve-se a uma excessiva preocupação com “a urgência dos aspectos distributivos” em detrimento da criação de riqueza.
Para resolver a situação, Passos Coelho quer “moralizar” e disciplinar as prestações sociais (nomeadamente o Rendimento Social de Inserção) em particular, mas também institutos e empresas públicas, introduzir “factores de flexibilidade nos instrumentos contratuais tradicionais” e reduzir aquilo que considera políticas sociais demasiado generosas.
O grande objectivo das medidas propostas torna-se claro: a passagem de um Estado-providência para um Estado-regulador, um Estado que se limita a regular a economia em vez de actuar enquanto prestador de serviços. A grande transformação de Passos Coelho seria conseguida através daquilo a que chama “uma ambiciosa política de privatizações”, da gestão privada de equipamentos públicos, da introdução de co-pagamentos por serviços como a saúde e a educação, e da livre escolha dos prestadores mais “convenientes”.
Pedro Passos Coelho apanha a onda da política do medo para propor aquilo que, por vergonha ou bom senso, nunca outro líder político se atreveu a defender: o fim do Estado Social. Está em causa o fim da gratuitidade e universalidade dos serviços públicos em troca de provisão privada destes mesmos serviços, para quem puder pagá-los, obviamente.
A análise do líder Social Democrata é errada e perigosa, desde o seu início.
Querer atribuir às despesas sociais a partir de 1974 a causa dos problemas financeiros do país é, no mínimo, desvalorizar por completo as conquistas que Abril trouxe: a universalidade da educação, a construção de um sistema de saúde, a protecção no desemprego, na doença, no trabalho e na velhice.
De igual forma, não existe qualquer tipo de argumento económico que suporte a ideia de que a preocupação com a distribuição dos rendimentos é maléfica para a economia. Pelo contrário. No limite, e recorrendo aos argumentos do próprio, uma sociedade capaz de distribuir de forma justa os seus rendimentos é uma sociedade mais rica, uma vez que tem menos pobres e, por isso, menos necessidade de despesa social.
Tão pouco os nossos problemas se resumem a uma carga fiscal excessiva. A carga fiscal total em Portugal está abaixo da média europeia:
Fonte: Eurostat |
Uma vez mais o problema não reside nos impostos excessivos, mas no facto de o sistema fiscal português não promover uma justa distribuição da carga tributária, sobrecarregando os rendimentos médios do trabalho em detrimento das grandes empresas e do sistema financeiro que, para além de enfrentarem uma taxa legal abaixo de muitos outros países, acabam por pagar uma taxa efectiva que é metade da legal.
Fonte: Eurostat |
No meio de tantas preocupações em moralizar as prestações sociais, que equivalem a uns escassos milhões no final das contas, Passos Coelho nem por uma vez refere a necessidade de moralizar e disciplinar os sistemas financeiros, os bancos, os gestores milionários e as grandes fortunas. A sua estratégia para a política económica do país ignora os 16 mil milhões de euros offshore que não pagam impostos, as fraudes bancárias que custam ao Estado outros tantos milhões, o crime fiscal e as novas fortunas que surgem da crise. Ignora também o facto de um em cada dez portugueses não ter emprego, ao sugerir que o problema reside nas políticas sociais “demasiado generosas” que desincentivam a procura de trabalho (pergunto-me se se refere à metade dos desempregados que recebe o subsidio de desemprego).
No momento em que os mais reconhecidos economistas do mundo alertam para os perigos da obsessão do défice e do consequente corte nas despesas sociais, Passos Coelho apoia as medidas recessivas de Sócrates e aproveita para levar o discurso liberal ao limite. Propor o fim do Estado-providência é acabar com a única coisa positiva que saiu da Grande Depressão, e que nos permite dizer que a crise que hoje vivemos é a pior, mas apenas desde a de 1929.