Passes mais baratos ou mais oferta de transportes? Um falso dilema

porJoão Bernardo Narciso

16 de outubro 2022 - 22:31
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A proposta do Bloco de um passe nacional por 9 euros tem recebido fortes apoios e algumas críticas. Respondo aqui a algumas.

O passe nacional a 9 euros é uma "cópia barata" de um modelo incapaz de tirar carros da estrada?

A proposta do Bloco de Esquerda é inspirada no passe alemão que nos três meses do verão permitiu que qualquer pessoa circulasse pelos transportes locais e regionais do país por apenas 9 euros. Penso que seria importante dar um pouco mais de atenção a esta experiência e aos resultados que até agora conhecemos.

A verdade é que esta medida teve um enorme sucesso, com impactos ambientais e sociais muito positivos. Os 52 milhões de passes vendidos permitiram, segundo a Associação de Transportes Públicos (VDV), cortar as emissões de 1,8 milhões de toneladas de CO2 - equivalente às emissões de 388 mil automóveis num ano. Segundo a mesma Associação, esta medida levou a que um em cada dez utilizadores passasse a utilizar os transportes públicos ao invés do carro para pelo menos uma deslocação por semana. De acordo com investigadores da Universidade de Potsdam, verificou-se uma relação de causalidade entre a introdução do passe e um corte de cerca de 7% das emissões de CO2 durante o seu período de vigência.

Socialmente, os impactos positivos também se fizeram sentir. O mais óbvio é o do aumento do rendimento disponível das famílias em contexto de grande inflação, que segundo investigadores do Instituto Económico Alemão, seria 2 pontos percentuais mais elevada caso esta medida não existisse. Mas também teve efeitos menos diretos: Algumas famílias foram pela primeira vez de férias. Outras, só puderam enviar os seus filhos para acampamentos escolares graças a este passe.

Duas formas de avaliar o sucesso de uma política é o seu apoio pela população e as suas repercussões nacionais e internacionais. Na Alemanha gerou-se uma onda de apoio ao passe dos 9 euros. Houve protestos e petições pela sua continuidade e, enquanto se espera por alguma política de continuidade a nível federal, alguns estados já avançaram com passes de baixo custo para as suas regiões.

Internacionalmente, esta medida inspirou outras que também estão a ter muito bom desempenho. Um exemplo é o dos passes gratuitos para comboios regionais e urbanos em Espanha, que conta com 1,5 milhões de utilizadores, tendo já cortado 360 mil toneladas de CO2, segundo o Ministério dos Transportes, Mobilidade e Agenda Urbana. Os bons resultados fizeram com que fosse anunciada a extensão desta medida para 2023.

Nas políticas públicas, não existem "cópias baratas". Existem políticas que funcionam e políticas que não funcionam, dada a forma como são formuladas e os contextos em que são aplicadas. E esta política provou funcionar.

O passe nacional a 9 euros não resolve os problemas de quem se quer deslocar de transporte público nas diferentes regiões do país?

Os passes Andante na Área Metropolitana do Porto e Navegante na Área Metropolitana de Lisboa constituíram uma verdadeira revolução, aliviando o orçamento familiar de quem mora, estuda ou trabalha nessas regiões, tornando o transporte público uma opção competitiva na substituição do transporte individual, reduzindo congestionamentos nas cidades e contribuindo para a melhoria do ambiente.

Também é verdade que esta revolução ainda não chegou às demais regiões do país. Quem se desloca com regularidade dentro dessas regiões têm muitas vezes de adquirir vários passes, acarretando grandes custos para as famílias. Há também falta de comunicação entre regiões: quem vive na região Oeste não pode deslocar-se entre a sua região e Lisboa com um único passe.

A solução Andante/Navegante resolve (na maioria dos casos) o problema da intermodalidade mas não o da comunicação entre regiões. Para além disso, apesar de constituir um enorme avanço em relação aos preços anteriormente praticados, continua a ter um custo considerável para as famílias (em particular no atual contexto de perda de rendimentos). Ao contrário do que sugerem algumas críticas, o passe nacional a 9 euros resolveria problemas imediatos nas diferentes regiões do país, garantindo o acesso fácil a todos os meios de transporte em qualquer região.

O passe nacional a 9 euros é demasiado ambicioso?

Esta é uma medida ambiciosa? Sim. Tem inúmeros benefícios ambientais, sociais e económicos? Também já vimos que sim. É uma medida que resolve todos os problemas dos transportes públicos? Não: continuam a ser necessários grandes investimentos para tornar o transporte público verdadeiramente competitivo. Esses investimentos são compatíveis e complementariam esta medida. Com o aumento da receita fiscal resultante da inflação, não há melhor momento para uma medida como esta.

Face à crise climática, a que se junta uma crise económica e inflacionária, desajustado é não tomar medidas com a ambição necessária para lhes responder.

João Bernardo Narciso
Sobre o/a autor(a)

João Bernardo Narciso

Engenheiro Informático. Mestrando em Ciência Política. Bolseiro de investigação
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