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Para combater a precariedade, novas competências para a ACT

As vozes que gritaram “País precário saiu do armário” convocam-nos para a exigência de, neste parlamento, se sair do aparente consenso na crítica à precariedade laboral e passar à tomada de medidas concretas.

A luta contra a precariedade e os falsos recibos verdes saiu à rua no passado dia 12 de Março. 300 mil pessoas contra o défice social, contra as políticas que abandonaram as suas gerações mais jovens e mais qualificadas.

“Já não posso mais, que esta situação já dura há tempo demais”. Disseram nas ruas os jovens, e também os seus pais e os seus avós.

O falso trabalho independente é a maior fraude social na sociedade portuguesa e o mais urgente problema laboral ao qual temos a obrigação de responder imediatamente.

As vozes que gritaram “País precário saiu do armário” convocam-nos para a exigência de, neste parlamento, se sair do aparente consenso na crítica à precariedade laboral e passar à tomada de medidas concretas.

Hoje a responsabilidade aqui e agora, é a de decidir novas competências para a ACT, e por isso, o Bloco de Esquerda desafia todos os Partidos a aprovarem o projecto de resolução que propõe:

- Combate aos falsos recibos verdes e intervenção da ACT no sector público e privado;

- Clarificação do que é falso trabalho independente, bastando que se verifiquem duas condições definidas para a presunção de contrato de trabalho, sem mais;

- Obrigação de integração no prazo de 30 dias dos falsos trabalhadores independentes nos quadros das empresas, na Segurança Social e nas Finanças, garantindo que a sua antiguidade na empresa;

- A constituição do crime de desobediência qualificada quando o empregador não cumprir as ordens da ACT de regularização do falso recibo verde;

- Defesa do emprego e do trabalho com direitos, não aceitando a desculpa da crise para acentuar a chantagem social sobre quem trabalha.

Este procedimento especial que confere à ACT, novos poderes e reforçadas competências, é a grande novidade desta proposta sobre a qual estamos todos convocados a clarificar posições.

Portugal esteve em recessão em 2009, volta à recessão em 2011, e nos próximos anos, com mais desempregados, com mais precários, com menos direitos sociais. É a recessão que nos mata nos exactos termos em que determina que se transfiram para o capital os rendimentos do trabalho.

Reduzindo os salários directos e indirectos, impondo o medo nas relações de trabalho, generalizando a precariedade e os contratos de todas as formas e feitios, embaratecendo os despedimentos, ameaçando a contratação colectiva.

700 mil é o número oficial de desempregados. São 1.968.900 de acordo com os dados do INE são trabalhadores com contratos a prazo e trabalhadores independentes, a maioria dos quais como falsos recibos verdes.

De acordo com o Banco de Portugal, dados de 2010, 9 em cada 10 empregos criados são precários.

A Autoridade para as Condições do Trabalho tem reconhecido repetidamente a falta de meios e a dificuldade de fiscalização destas situações.

Por um lado, porque nunca foi posta em prática uma verdadeira campanha de fiscalização que, dando corpo ao princípio “trabalho com direitos”, penalizasse os infractores e impedisse a contratação ilegal.

Por outro lado, também a legislação existente não oferece os mecanismos adequados para por termo às ilegalidades laborais.

O anterior Inspector-Geral do Trabalho, Paulo Morgado de Carvalho, afirmava em Abril de 2008: “Se houvesse uma noção de contrato de trabalho dissimulado e de trabalho não declarado com o sancionamento directo seria muito mais fácil para a nossa intervenção e permitiria a integração do trabalhador mais rapidamente”.

Também o actual Inspector-Geral do Trabalho, José Luís Forte, foi peremptório numa entrevista em Setembro de 2010, dizendo: “A única coisa que se poderia configurar na lei seria se, com a persistência na ilegalidade, se estaria ou não a cometer um crime de desobediência. (…) Se o mecanismo existisse, tornaria mais fácil a diminuição da precariedade e menos usual o incumprimento”.

De facto, a ACT pode levantar uma contra-ordenação ao empregador, caso se verifique que a prestação de actividade, aparentemente autónoma, está, na verdade, a ser realizada em condições características de contrato de trabalho, mas o empregador não fica obrigado à integração do trabalhador.

O trabalhador continua, assim, a ter de recorrer à via judicial, apesar de ser a parte mais fragilizada e de, muitas vezes, sofrer enormes pressões.

Exemplos como o da Rede Eléctrica Nacional, onde existem trabalhadores a recibo verde durante três anos ou das Piscinas do Jamor do instituto do Desporto de Portugal, 28 trabalhadores, alguns há mais de 12 anos nas mesmas funções.

Do Grupo Reditus empresa cotada em bolsa, com lucros, e que simultaneamente se apresenta como empresa de trabalho temporário, onde centenas de trabalhadores se encontram com falsos recibos verdes, muitos deles num call center em Castelo Branco.

Mais de 100 no call-center da Vodafone há mais de 6 anos; no Museu do Design e da moda Lisboa são 70 trabalhadores há mais de 2 anos nesta situação; no Instituto da Droga e Toxicodependência, 80 trabalhadores médicos, enfermeiros, psicólogos, administrativos e assistentes sociais a falsos recibos verdes durante vários anos, muitos deles despedidos no final de 2010; no HPP- Saúde, grupo da Caixa Geral de Depósitos, no hospital dos Lusíadas, no hospital da Boavista e na sede da HPP-Saúde.

São estes os escravos e escravas do século XXI que trabalham no sector público e no sector privado, sem direito a férias e subsídios sociais. Sem direitos no presente, sem perspectivas de futuro.

Hoje o voto dos diferentes partidos ditará se o consenso é real ou apenas mais uma ficção, porque hoje decidimos um compromisso sério de combate á precariedade.

Porque a precariedade não pode, ser a regra dum mundo laboral desregrado, em nome do combate ao défice, em consequência da recessão a cobro dos quais se sacrificam milhões de vidas.

Este é o desafio.

Intervenção de abertura do agendamento potestativo do Bloco de Esquerda: “Combate à Precariedade e aos falsos recibos verdes” - 31 de Março de 2011

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, funcionária pública.
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