A parcimónia veste muitos sinais e materializa-se em diversas formas. Uma delas, na dimensão do exemplo. Se é verdade que poucos acordarão a pensar na assincronia entre a pobreza no Mundo e a riqueza do Vaticano, já muitos não adormecerão sem um segundo pensamento sobre as notícias que dão conta do preço (mais de 5 milhões de euros) de um palco-altar para a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa, onde o Papa Francisco celebrará a missa final. Um transtorno para os crentes, um absurdo para o Estado laico, um negócio como os outros para empreendedores, mas um disparate económico para todos. Não está em causa quanto custa, nem se o que custa vai para além do essencial. O que está em causa no custo do palco ultrapassa em muito o acessório: funda-se no absurdo.
Não há argumento que sustente um despesismo deste tipo numa estrutura funcional e (por mais que o neguem) não permanente, muito menos num palco, lugar de nobreza e arte, trabalho e representação do Mundo. Independentemente de tudo o que se possa dizer e defender relativamente à readequação da estrutura, é totalmente incompreensível que a sagrada fé nos dividendos abale o senso comum e demova a percepção geral de um sentimento de compreensão mínima. Em última análise, o Papa tem a palavra. Defensora de uniões duradouras, a Igreja Católica terá de dar palco a Francisco para evitar o divórcio entre os portugueses e a Jornada Mundial da Juventude.
Um palco para um evento não é, antes fosse, um vector de requalificação do território, impulsionador de mudanças e crescimento. Tal como está a ser encarado, é um bem supérfluo ou de ostentação, a própria jóia da coroa que se sobrepõe ao título e, que se sabe, a dimensão espiritual do Papa Francisco não permite usar. O bispo auxiliar de Lisboa, D. Américo Aguiar, foi claro: "Confesso que o número me magoou", invocando a necessidade de respeito pelos bens materiais. Curiosamente, a Igreja Católica parece ser a menos culpada de uma escolha que se reconduz a uma opção eminentemente política e económica e pela qual terá de ser o poder político a responder.
A deficiente interpretação do poder relativamente à ideologia da Igreja é matéria controversa ao longo dos tempos, repleta de transfusões de interesse nada católicos. Neste caso, compete agora ao patriarcado comprometer-se com uma resolução de sobriedade que não comprometa a dimensão de grandeza. Que se envolva, tanto quanto possa, na identificação de contradições insanáveis entre o exemplo e a demonstração. Que seja decidida e implacável, em causa e casa próprias, em expurgar tudo o que a fé não precisa.
Artigo publicado em “Jornal de Notícias” a 27 de janeiro de 2023