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Pai, professor, teletrabalhador

As pessoas precisam de segurança nas suas vidas e o Governo tem de garantir essa segurança e recusar a austeridade que a União Europeia parece querer fazer voltar.

O fim do estado de emergência não vai alterar a maneira como as famílias estão a viver. Sem escola, os pais e as mães têm de fazer o impossível: ser progenitores, professores e teletrabalhadores em simultâneo.

A minha filha mais velha anda no 1º ano e tem o dia completamente ocupado: telescola às 9h, trabalho “autónomo” de português, matemática e estudo do meio, aula com a professora via zoom às 14h, mais trabalhos para entregar no googleclassroom e CAF virtual pouco depois. A minha filha mais nova, na pré-primária, também tem trabalhos para fazer, vídeos para ver e desenhos para fazer com o que aprendeu; e leva isso muito a sério, não quer ficar atrás da irmã.

Os trabalhos para a escola acabam às 16h e pelo meio tivemos de enfiar o pequeno-almoço, o almoço e o lanche, e ainda uma sessão de desporto em casa para combater o sedentarismo.

Pelo meio há telefonemas, whatsapps urgentes, emails para responder e reuniões de trabalho por videochamada, desligando o microfone e a câmara de vez em quando para responder àquela dúvida de matemática ou para ver o novo penteado da boneca. Na verdade, só depois de as deitar é que se torna possível responder às solicitações, pôr os emails em dia, terminar aquele documento que ficámos de enviar há dias… Quem pensa que quem está em teletrabalho trabalha menos é porque nunca experimentou.

Nos próximos dias o país vai entrar numa nova fase, com mais pessoas na rua e no local de trabalho. Muitas famílias estão angustiadas com isso, porque muitos patrões estão a exigir a presença dos seus trabalhadores e as escolas ainda se encontram fechadas. Mesmo quando há dois pais em casa, a saída de um fará cair todo o peso das tarefas sobre o outro. As próximas semanas podem exigir ainda mais esforço às famílias.

A presença de mais gente na rua e nos locais de trabalho pode traduzir-se em mais infeções, o que poderá resultar num novo período de confinamento total. Se assim for, se houver uma segunda vaga, voltaremos aos mesmos problemas durante várias semanas.

No reverso da medalha, há outras famílias em que alguém ficou em lay-off ou desempregado. Para essas, ao problema do vírus junta-se agora a incerteza quanto ao futuro. Antes do vírus, a taxa de desemprego era relativamente baixa e muitas famílias que tinham sido afetadas pela austeridade estavam a recompor-se. Agora, as nuvens negras dos cortes parecem surgir com a falência total da resposta europeia.

Neste momento, o que as famílias precisam é que o Estado Social funcione: as crianças que não têm recursos para ter computadores para estudar não podem ser deixadas para trás; as famílias que têm pessoas no desemprego não podem ficar sem apoio; as pessoas que não têm descontos suficientes ou que viviam na maior precariedade têm de ter acesso ao RSI; o SNS tem de ter meios para continuar a salvar as pessoas da Covid-19, mas também das outras doenças; as pessoas que tiveram cortes nos rendimentos não podem ficar sem casa; e a economia tem de ser estimulada para não se perderem mais empregos.

A palavra chave é segurança. As pessoas que estão a dar o seu melhor, fazendo de pais, professores e teletrabalhadores em simultâneo, precisam de segurança nas suas vidas e o Governo tem de garantir essa segurança e recusar a austeridade que a União Europeia parece querer fazer voltar.

Artigo publicado em Jornal Económico a 4 de maio de 2020

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro e mestre em políticas públicas. Dirigente do Bloco.
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