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Pachorra para reformas estruturais

Elisa Ferreira será a mais consistente das escolhas indicadas por Portugal para a Comissão Europeia, mas, mesmo assim, a sua recente entrevista passou despercebida. Pouca gente a quer ouvir. No entanto, o que disse é um alerta solene: os fundos europeus vão acabar.

Elisa Ferreira será a mais consistente das escolhas indicadas por Portugal para a Comissão Europeia, tanto pela capacidade como pela visão estratégica, mas, mesmo assim, a sua recente entrevista passou despercebida. Pouca gente a quer ouvir. No entanto, o que disse é um alerta solene: os fundos europeus vão acabar. Vão mesmo. O alargamento da União, que se vai tornando incontornável politicamente (e militarmente) graças à aventura de Putin e à desagregação das lideranças europeias, de Roma a Bona e Paris, dita essa conclusão, e só haverá integração se não houver uma conta a pagar aos felizes candidatos. Só que em Portugal não se imagina como se poderá viver sem esses fundos.

Uma das consequências dessa aceleração será a nova entoação da mais magna questão, a das “reformas estruturais”. Até agora, era um jogo, os Governos ‘deitavam’ os dinheiros a clientelas treinadas na arte das candidaturas aos “projetos” e aos “programas” de uma casta de empresários que, de modo, aliás, bastante ecuménico, iam negociando sintonias políticas e anunciava-se um “espírito reformista” que simulava um neofontismo iluminado que levaria tudo por diante. Umas décadas depois de tal “espírito” ser incensado, temos as centenas de milhões das dívidas de um Berardo ou de um Vieira, ou obras como a marina de €100 milhões na Madeira, que vai agora ser desmantelada. Outros exemplos abundariam na mesma ideia; há um século, nos EUA, chamava-se-lhes “barões ladrões”. Na disputa do jorro dos fundos, a promessa de “reformas estruturais” tornou-se, assim, um discurso adversarial, com competição aguerrida entre os mais “estruturantes”. Acusar um Governo de “não fazer as reformas estruturais”, o que quer dizer menos impostos empresariais e sobretudo mais subsídios, ou uma renda pública paga ao sector privado, prioritariamente na saúde, passou a ser o último dos insultos. Ora, sem fundos europeus essa retórica só pode ter uma agenda crua. Se o cortinado distributivo cai, fica a economia como ela é. Melhor seria ouvir o aviso de Elisa Ferreira.

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 29 de julho de 2022

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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