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Os transportes públicos davam um filme indiano

De há uns meses a esta parte, o futuro dos transportes públicos, nomeadamente em Lisboa, tem vindo a ser alvo de voltas e reviravoltas, ainda sem grande decisão definitiva, mas certamente com muito jogo político à mistura.

A troika impõe privatizações de serviços públicos e a sua sucessiva redução. O governo acata as ordens, elabora um plano de privatizações, incluindo nos transportes, e sai a notícia que a Carris e Metro de Lisboa serão alvo de concessão de gestão, tendo sido aberto um período de consulta e tendo havido interesse demonstrado por parte de alguns privados na questão.

No entretanto, lança-se uma campanha pidesca apelando a que utilizadores denunciem outros utilizadores, porque a fraude é a razão que explica haver menos carruagens e preços mais altos! Mas será que alguém acredita mesmo nisto? Toda a gente se lembra da redução das carruagens no metro com o propósito de reduzir custos; e o fim dos variados passes que davam descontos a estudantes ou reformados? Apenas conduziu à redução do número de passageiros, porque passar de uma despesa mensal de cerca de 16€ para uma despesa mensal de cerca de 36€ faz uma enorme diferença na vida de cada estudante, por exemplo.

Bom, a degradação do serviço de transportes públicos em Lisboa foi sendo cada vez mais visível, acentuou-se e, finalmente, voltamos à questão inicial da privatização. Em sede de Assembleia Municipal de Lisboa muitas vezes o executivo foi questionado sobre a sua posição: era, afinal, a favor ou contra qualquer tipo de privatização e/ou concessão deste serviço público?

A resposta foi sempre muito atrapalhada, sendo, no entanto, muito clara: se a Valorsul, por exemplo, presta um serviço público suficientemente importante para o executivo se manifestar claramente contra a sua privatização, já os transportes não detém tanta importância. A resposta foi sempre: vamos vendo, o governo ainda não decidiu, estamos à espera de mais informação.

As propostas alternativas à privatização/concessão foram sempre apresentadas e sempre recusadas pelo executivo e pela bancada do PS. Até ao dia em que a Câmara decidiu mandatar António Costa para negociar com o governo para que este organismo fique com a concessão da Carris e do Metro de Lisboa. Passados tantos meses de confronto e de indecisão, lá vem António Costa, arauto dos serviços públicos, defender a gestão pública da Carris/Metro pelo município; algo que, já agora, vai ao encontro da proposta de parceria pública-pública pelo Bloco de Esquerda apresentada….e sempre rejeitada, inclusive pelo PS.

O filme mediático, obviamente, já começou. Costa tenta sair por cima desta questão como o grande defensor dos serviços de transportes públicos na cidade, mas todos os meses em que não se pronunciou sobre o assunto foram esquecidos. Mas levanta-se, agora, a questão: irá o governo dar preferência neste negócio à Câmara em vez dos privados? A experiência que temos deste governo leva-nos a duvidar disto, levando-nos a uma possível conclusão: tudo serve para ganhar mediatismo político e fazer valer posições políticas que, no fundo, carecem de profundidade e sabemos que facilmente são revogáveis.

Qualquer serviço público, seja transportes, educação ou saúde, devem estar sempre salvaguardados, longe de jogadas políticas e interesses privados. Porque quem perde são sempre as pessoas: que cada vez menos podem suportar os custos destes mesmos serviços. E sem uma garantia de mobilidade a vida de cada um e de cada uma fica ainda mais pobre, seja para poder deslocar-se para o trabalho ou para entrevistas de trabalho, seja para estudar ou ir a uma consulta.

A solução para os transportes públicos nunca passará por qualquer forma de privatização, nem por aumento de preços ou por diminuição do serviço e da sua qualidade. Passa sim pela reposição de passes como os de estudantes ou idoso, pelo passe para desempregados ou mesmo a sua gratuitidade, passa pelo investimento em mais serviço e de melhor qualidade.

E não se compadece com filmes políticos para ver quem sai por cima da situação, mesmo sabendo que não vai melhorar em nada a vida dos cidadãos e cidadãs.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Licenciada em Ciências Políticas e Relações Internacionais e mestranda em Ciências Políticas
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