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Os primeiros 35 dias do resto das nossas vidas

O Plano Diretor Municipal entra agora – e apenas por 35 dias – em discussão pública. E o que se vai discutir inclui áreas tão fundamentais como: Ambiente e Qualidade de Vida, Edificação e Habitação, Mobilidade e Transportes, Economia e Emprego, e Identidade e Património.

Quando se ouve falar em PDM, normalmente vêm-nos à cabeça episódios como o da Torre das Antas, o do Parque da Cidade, o do Edifício Transparente, o do Centro Comercial Cidade do Porto e, mais recentemente, o da Selminho, o da Arcada, ou o do terreno da Boavista. Urbanismo, planeamento de território, construção, imobiliário e, vá, espaço público. Fica a sensação de que para o concreto das nossas vidas será coisa pra nos dizer pouca coisa. Um certo travo a ‘eles que se entendam’.

Mas o Plano Diretor Municipal – o tal do PDM – entra agora – e apenas por 35 dias – em discussão pública. E o que se vai discutir inclui, na verdade, áreas tão fundamentais como (usando as designações do próprio Executivo da Câmara): Ambiente e Qualidade de Vida, Edificação e Habitação, Mobilidade e Transportes, Economia e Emprego, e Identidade e Património. Traduzido por miúdos, este é o instrumento que, nos próximos 10 anos, será determinante para a prossecução (ou não) de políticas municipais de governação para o que diz respeito à proteção do ambiente e ao combate às alterações climáticas, ao direito à habitação, às condições de mobilidade no território em que vivemos, ou à preservação do património do Porto, o que terá, por conseguinte, implicações claras na economia local e na nossa qualidade de vida.

Significa que terão agora, cidadãs e cidadãos, cerca de 7 semanas para se informarem sobre o que consta da documentação do PDM, analisarem criticamente a informação, apropriarem-se da real perspetiva acerca das repercussões do que ali está, tomarem posição, preencher o formulário disponível para a redação das duas posições e submetê-lo online ou enviá-lo por correio postal para os serviços da Câmara. São 29 anexos, com mais de 1000 megabytes, num total de cerca de 2300 páginas, dos quais fazem parte mapas, plantas e cartas de leitura complexa, que para poderem ser analisados devidamente têm que ser impressos em grandes dimensões. Isto não contando com outra documentação adicional que é disponibilizada no contexto deste processo.

Da parte da autarquia, estão previstas sessões de apresentação em cada uma das freguesias. À luz do que aconteceu em 2018, cada uma destas sessões corresponderá a um dos eixos do PDM, decorrerá durante a semana, a partir das 21h30, com a duração de duas horas, culminando numa sessão final, a meio da manhã ou a meio da tarde. Ou quem sabe o Executivo acolhe as críticas da oposição e garantir-se-ão verdadeiras condições para uma real participação das pessoas no processo…? Seja qual for a opção de forma – que, está visto, é ela própria uma opção política – é claro que do ponto de vista do conteúdo, este será naturalmente marcado pela visão do Executivo de Rui Moreira e a informação transmitida consubstanciará certamente aquela que é a sua proposta.

Na página online da Câmara dedicada ao ‘processo participativo’ inerente a esta revisão lê-se que “está contemplada a discussão pública, que se traduz no direito de participação dos cidadãos na elaboração, alteração, revisão, execução e avaliação de programas e planos territoriais” e que “todas as pessoas, singulares e coletivas, incluindo as associações representativas de interesses ambientais, económicos, sociais e culturais, têm a possibilidade de formulação de sugestões e pedidos de esclarecimento, no âmbito dos procedimentos previstos no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT)”. Efetivamente, desde 2003, uma diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, estabeleceu regras sobre a participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente, o que se traduziu nos poderes públicos passarem a ter a obrigação de fundamentar as suas decisões em dois pilares: o científico e o democrático (Aragão, 20191). No entanto, se é verdade que o processo de revisão do PDM já vai longo e será concluído para lá do que era a data legalmente prevista, não é porque se procurou dar espaço e tempo à participação pública que tal acontece. E na sua reta final, deveria ser esta a preocupação prevalecente. A ser o caso, o período de consulta pública seria estendido ao máximo em vez de reduzido praticamente ao mínimo que a lei exige. Promover-se-ia a participação das pessoas e das organizações por etapas, dando espaço e tempo para a informação e o esclarecimento, para o debate e a co-construção de propostas e para a apresentação de contributos para a revisão que um mecanismo desta natureza exige. Não será assim.

As organizações que no Porto acompanham as questões ambientais, urbanísticas, de espaço público e habitacionais irão – no tempo recorde que lhes é imposto – promover o seu próprio debate e aprofundamento do que aqui está em causa. As forças políticas da cidade farão o mesmo. E a Câmara irá receber comentários, observações e sugestões. Aparentemente, em condições o mais ‘pro forma’ possível, para que o seu tratamento seja eficaz. Tudo o que, sabemos, os processos democráticos e participativos não são. Para existir participação as pessoas têm que ser chamadas a participar, têm que estar capazes de participar, têm que sentir motivação para a participação, tem que lhes ser dada a real possibilidade para participarem e, finalmente ou sobretudo, têm que sentir que a sua participação tem impacto e retorno para as suas vidas (Lowndes e Pratchett, 20062). O que não é necessariamente linear e leva tempo.

Ocupem-se, reivindiquem-se e preencham-se de efetiva participação todos os espaços de discussão que aí vêm. Porque nesta revisão do PDM e nesta discussão pública está ‘apenas’ em causa, haver ou não, nos próximos 10 anos, habitação de promoção pública, uma rede de transportes que não agudize desigualdades e contrastes territoriais, espaços verdes e espaços de uso público e comunitário, uma estratégia consistente de combate às alterações climáticas, a proteção do património e da res pública – do que é do povo e da cidade -, ou uma política económica local que de facto sirva as pessoas. São afinal os primeiro 35 dias do resto das nossas vidas.

Artigo publicado em Global News a 7 de outubro de 2020


Notas:

1 Aragão, A. (2019). Direito fundamental de participação cidadã em matéria ambiental: o papel dos serviços dos ecossistemas. Debater a Europa, 21(21), 55–66. https://doi.org/10.14195/1647-6336_21_4

2 Lowndes, V., & Pratchett, L. (2006). CLEAR: Understanding Citizen Participation in Local Government–and How to Make it Work Better. https://www.researchgate.net/publication/228425528_CLEAR_Understanding_Citizen_Participation_in_Local_Government-and_How_to_Make_it_Work_Better

Sobre o/a autor(a)

Deputada municipal e dirigente concelhia do Bloco de Esquerda do Porto
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