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Os mercados querem sangue

Os mercados não têm vergonha ou pudor, exigem dinheiro aos Estados para sair das crises que ciclicamente criam, beneficiam de injecções de liquidez por parte dos bancos centrais e, em troca, cobram taxas de juro altíssimas aos Estados quando estes entram em dificuldades.

Os mercados são oportunistas. Atacam ao primeiro sinal de fraqueza e lucram com as crises dos outros, a nossas.

Os mercados exigiram o sangue grego, agora viram-se para Portugal e assim vão continuar se nada for feito para os travar. Mas os mercados são instituições, criadas e controladas por vontade política e, como tal, podem ser modificados por ela. A resposta para a crise económica que atravessamos só será eficaz se for coordenada e implicar uma reforma das instituições que enquadram a actuação dos mercados, começando pela própria União Europeia e pelo Banco Central Europeu.

A União Europeia cairá perante os mercados se não for capaz de criar mecanismos de solidariedade entre os seus membros, que permitam auxiliar economias em apuros, e uma estratégia coordenada de crescimento que ponha fim aos desequilíbrios internos, nomeadamente ao nível das balanças comercias.

Para isso é necessário que Alemanha abdique da sua posição de hegemonia dentro da UE. O modelo de estagnação salarial que adoptou, possível apenas porque os salários de partida eram mais elevados que no resto da Europa e porque possui um Estado Social forte, conduziu a uma contracção da procura interna e a uma situação de vantagem perante as restantes economias europeias. Os contínuos excedentes comerciais da Alemanha têm como contrapartida elevados défices nos restantes países, cujas exportações ficam prejudicadas.

Abdicar da posição hegemónica de que goza implica também ceder na sua obsessão monetarista, bem presente nas regras de criação e actuação do Banco Central Europeu. O controlo da inflação não pode ser o único nem o mais importante objectivo da política monetária europeia, por diversas razões. Porque, em primeiro lugar, esse é o menor dos nosso problemas neste momento, mas, principalmente, porque não serve os interesses da União Europeia. Porque beneficia os países mais fortes, exclui qualquer mecanismo de auxílio aos mais pobres, porque não promove a convergência económica e social entre os diferentes Estados membros.

O futuro da UE é incerto. São vários os cenários possíveis: exclusão dos países mais pobres, abandono dos mais ricos, criação de duas Uniões monetárias, uma com uma moeda forte, liderada pela Alemanha, e uma outra, mais fraca, liderada pela França. Todas implicam o fim do projecto político europeu, com todas as consequências que daí poderão advir: fuga de capitais, ataques especulativos, aumento das taxas de juro, diminuição da procura interna, aumento dos níveis de incumprimento por parte das famílias, agravamento das tensões sociais, pobreza...

A Alemanha não está a "sustentar" de forma caridosa o resto da Europa. Não paga nem mais nem menos por habitante que os restantes países membros e o seu nacionalismo, até agora, só teve como consequência o agravar dos ataques especulativos sobre as dívidas grega e portuguesa. De cada vez que as autoridades alemãs põem em causa o plano de ajuda à Grécia, o juro da sua dívida sobe, tal como o nosso.

A União Europeia não é um projecto meramente monetário mas político. Dar sangue aos mercados não servirá para os acalmar, pelo contrário, só irá intensificar os ataques. A única estratégia de resistência possível passa por criar mecanismos próprios de auxílio aos Estados que permitam também o fortalecimento dos laços políticos entre os seus membros. Para tal, é indispensável dotar as instituições europeias de meios, através do reforço do Orçamento europeu, e criar instrumentos de financiamento aos Estados por parte do Banco Central Europeu, nomeadamente através da emissão de divida pública europeia ou da concessão de empréstimos directos. Não há razão para que os bancos privados possam beneficiar destes mecanismos enquanto os países são obrigados a pagar as taxas de juro exigidas pelos mercados, inflacionadas pela especulação.

Mas não é suficiente. É necessário também coordenar práticas regulatórias e políticas fiscais a nível europeu que permitam, por um lado, o controlo eficaz da actividade financeira e dos movimentos especulativos e, por outro, a introdução de medidas fiscais justas e redistributivas, que incidam sobre as transacções financeiras, os bónus milionários dos gestores e os lucros do grande capital. Acordar sobre o encerramento de todos os paraísos fiscais situados em território europeu seria um importante passo nesta direcção.

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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