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Os idosos contra o vírus IV. Onde estiver um lar, está um calcanhar de Aquiles

Mesmo que o número de óbitos nos lares do sector social em Portugal não atinja proporções catastróficas, qualquer resultado será sempre de lamentar. A responsabilidade é repartida e resta saber se depois da pandemia teremos coragem e competência para corrigir tudo.

Defendemos o Estado Social. No modelo de Estado Social consideramos as amas, as creches, a escola e a sua cantina, o cuidador informal, o SNS. Os lares, talvez. Digo talvez porque à medida que o Covid19 se espraia, levanta-se o véu e descobrem-se mazelas que não toleramos nos outros componentes. E foco a minha atenção em duas questões: as creches são gratuitas ou tendencialmente gratuitas mas não é por as famílias pagarem menos que as crianças recebem menos atenção e menos cuidados.

Não há engano. Então, há lares ilegais do conhecimento do MTSS?!

As creches e as amas dão o apoio indispensável no princípio de vida, que tal se o Estado adoptar a mesma orientação no que respeita às instituições que cuidam dos seus cidadãos no fim de vida? No presente, os cidadãos pagam uma certa quantia e o Estado põe o resto. O princípio parece correcto e equilibrado mas o problema é que os montantes pagos, depois de juntos, obviamente não chegam. É tudo calculado por baixo e o que está errado aqui? Se os cálculos da despesa forem feitos por baixo, afasta-se desde logo a possibilidade de contratar o número de pessoas indispensável para cuidar dos idosos (um funcionário de quantos idosos trata? Um técnico de saúde quantos idosos trata?), elimina-se qualquer hipótese de contratar pessoas qualificadas (em matéria de saúde, entre outras competências), abdica-se de dotar os lares de todas as infraestruturas incluindo aquelas que raramente serão requisitadas, entrega-se a gestão dos lares a pessoas sem preparação. É por isso que o modelo de financiamento vai ter de ser revisto e esta reapreciação começa com cálculos realistas das despesas exigidas para cuidar de um idoso. Desde as instalações condignas à alimentação, passando por cuidados médicos e componente social. Estas contas têm de ser bem feitas, as despesas não podem ser escamoteadas, nada pode seguir a regra do remediado. Uma vez o cálculo das despesas feito, fica-se a saber quanto custa cada idoso, quanto é que cada idoso deverá pagar. A pensão não chega? Não será por isso que fica abandonado. Se a pensão não é suficiente, então, o Estado tem de completar o que falta.

Depois, a fiscalização, um pilar indispensável. Todas as notícias que ouvimos fazem-nos crer que a fiscalização existente é ineficiente, não chega. Os dirigentes dos vários lares, queixam-se da falta de tudo (como estão a ser entrevistados acham que os ajuda fazer este tipo de declaração). Ora, a única coisa de que se deviam queixar é da sua própria impreparação para o cargo. Em tempo normal, as coisas vão andando mas surpreendidos pela crise, o desespero é completo ainda que apenas aceitável até certo ponto. O modelo de gestão tem de ser revisto, o recrutamento de gestores supervisionado e estas tarefas cabem ao Ministério.

Ainda no campo da fiscalização, o dia-a-dia ajuda a completar o puzzle. Nas conferências de imprensa diárias a propósito do Covid19, os jornalistas questionam muito sobre a distribuição de testes. E, os lares ilegais (i-l-e-g-a-i-s) também vão receber testes? Pergunta para 1 milhão de euros! A resposta é surpreendente: sim, haverá testes para todos mas no que diz respeito aos lares ilegais (afirmação feita nas calmas), cabe ao Ministério do Trabalho e Segurança Social tratar do assunto porque ele é que conhece os lares ilegais! Estão a ler bem, eu também ouvi bem e transcrevo. Não há engano. Então, há lares ilegais do conhecimento do MTSS?! Não havendo escolas ilegais, nem creches ilegais, nem cantinas ilegais, como se explica a existência de lares ilegais e como se convive com essa realidade?! Afinal, onde anda a fiscalização?! Os velhos contam pouco, os óbitos vão deixar-nos perplexos e no post pandemia os nossos esforços, as nossas competências e a nossa coragem, todos juntos, vão ter de dar a volta à vergonha vigente da responsabilidade conjunta de quem dirige directamente os lares, do Ministério do Trabalho e da Segurança Social que tem falhado, das autarquias que também descuraram e da sociedade civil ocupada com outros afazeres. Com a pandemia aprenderemos alguma coisa?

Sobre o/a autor(a)

Bibliotecária aposentada. Activista do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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