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Os disparates no apoio às artes

Sabemos que uma coisa é haver dinheiro no ministério, outra é chegar aos criadores e ser bem distribuído.

Depois de vários atrasos, foram finalmente conhecidos, no final de março, os resultados provisórios das candidaturas ao apoio da Direção-Geral das Artes (DGArtes) para o período 2018-2021. A polémica criada a partir desse momento justifica-se pela gravidade do que foi anunciado.

No Porto ficou de fora o Festival Internacional de Marionetas e o renomado Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), ambos com dezenas de anos de programação continuada, ambos sem financiamento. Em Coimbra, os resultados deste concurso extinguiram as duas companhias, O Teatrão e A Escola da Noite, bem como o CENDREV (Centro Dramático de Évora) e o Teatro das Beiras, na Covilhã. Com os resultados anunciados no final de março, duas capitais de distrito – Coimbra e Évora – ficariam sem qualquer estrutura de criação com dimensão. De fora do concurso ficaram também o Teatro Experimental de Cascais, o Teatro Experimental do Porto e o Teatro de Animação de Setúbal.

Teria sido um tombo do qual a produção artística – no teatro, na música, nas artes visuais, na dança – dificilmente recuperaria. A comunidade agitou-se, agendou protestos para a próxima sexta-feira às 18h em frente do Teatro Nacional D. Maria II e em várias cidades do país. Fez bem, fez-se ouvir. O governo percebeu que seria um escândalo e ontem anunciou 2 milhões de euros suplementares, que serão atribuídos ainda no âmbito deste concurso.

Mas como é que chegamos a este estado da arte? Um dos problemas é o modelo de atribuição do financiamento. Outro é o valor do investimento público em cultura. Valem por si próprios enquanto infortúnios para quem quer criar em Portugal, mas é impossível resolvê-los em separado. Ambos foram alvo de duras críticas nas intervenções que transformaram a Gala da Sociedade Portuguesa de Autores num palco de indignação.

Sobre o modelo, ou sobre como é visto por muita gente no setor, são claras as palavras emprestadas pelo encenador Jorge Silva Melo, ausente da cerimónia, a João Pedro Mamede, vencedor pelo melhor texto português representado: “O tremendo disparate começou com o tão anunciado ‘Novo Modelo de Apoio’ (um ano de ‘estudos’ para uma coisa daquelas?), com a confusão entre iniciativas de Estado e iniciativas fora do Estado, entre criação e programação, entre companhias e salas, entre salas e teatros.”

O segundo problema é o subfinanciamento. Não há argumentos que contestem este facto. O valor do apoio à criação artística já foi comparado com a despesa de manutenção dos submarinos. Tal como seria possível comparar o orçamento da cultura em clara perda em relação às reduções extraordinárias e adicionais do défice que o ministro Centeno se orgulha de apresentar em Bruxelas. Tantas Cornucópias nos sorrisos cínicos do Eurogrupo.

Apesar do reforço anunciado para o atual concurso, é preciso afirmar com firmeza que isto não vai lá com trocos, sempre a correr atrás do prejuízo para corrigir erros evitáveis. As promessas de campanha de António Costa nunca falaram em trocos, mas no regresso de um ministério com as letras todas. A cultura, tal como a educação ou a saúde, depende de investimento público para não ser um mercado que, atenção, não é condição de liberdade, mas de sujeição.

Um por cento do Orçamento do Estado para a cultura. É um reivindicação séria, sem falsas ingenuidades. Se o setor aponta injustiças ao modelo, é preciso revê-lo, até porque sabemos que uma coisa é haver dinheiro no ministério, outra é chegar aos criadores e ser bem distribuído. O problema é que, por muitas voltas que se dê, quando a manta é curta, há sempre quem fique destapado.

Artigo publicado no jornal “I” em 4 de abril de 2018

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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