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Os despojos das guerras dos tronos

Conhecer os grandes devedores que colocaram em risco, não só os bancos de que muitas vezes eram acionistas, mas as maiores empresas do país, é um requisito básico de transparência.

A Ongoing era o sonho de poder de Nuno Vasconcellos e de Rafael Mora. É público hoje que, muito antes da sua entrada com estrondo na alta-roda dos negócios, já ambos se tinham rodeado dos melhores aliados e colaboradores, entre eles, António Mexia, Jorge Coelho, Pina Moura e Eduardo Catroga.

O salto de gigante acontece em 2006, quando Ricardo Salgado vê nesta dupla uma oportunidade para construir alianças que travem a OPA da Sonae à Portugal Telecom. A Ongoing torna-se acionista da Espírito Santo Financial Holding e, como por milagre, adquire uma posição inicial de 200 milhões na PT. Soube-se depois que a operação teria sido inteiramente financiada pelo Credit Suisse com uma garantia do próprio BES. Esquema parecido teria sido usado para financiar a posição de Berardo na PT, também com um crédito de 200 milhões do BES, garantido apenas pelas ações da PT.

A derrota da OPA sentou a Ongoing no Conselho de Administração da PT e em cima de milhões, prometidos pela equipa de Bava aos acionistas. Mas tudo isto era pouco para a Ongoing.

Enquanto os titãs Salgado e Belmiro se digladiavam pela PT, Mora desenhava, com Paulo Teixeira Pinto, recém-chegado ao BCP, a nova estratégia para o banco. Depois de uma fracassada OPA ao BPI, o BCP cai numa guerra pelo poder. Dos dois lados, exércitos de acionistas reforçam as suas posições. Teixeira Pinto conta com Vasconcellos, Joe Berardo, Manuel Fino. Do lado de Jardim Gonçalves estão, entre outros, a construtora Teixeira Duarte. A guerra era pelo BCP, mas havia mais em jogo.

Manuel Fino estava a comprar a Soares da Costa e queria controlar a Cimpor contra a Teixeira Duarte, que também reforçava a sua posição na cimenteira. Segundo a Imprensa, ambos foram financiados pelo BCP e pela Caixa.

Depois da crise e de tantas guerras pelos tronos do poder económico em Portugal, o BCP desvalorizou, o BES faliu, a PT desapareceu e a Cimpor também. Segundo informações que vieram a público entretanto, a Ongoing, Manuel Fino e Joe Berardo, são devedores de centenas de milhões ao Novo Banco, ao BCP à Caixa. Não serão os únicos. Infelizmente, do BPN ao BES, são histórias como esta que fazem, em grande medida, a história da economia portuguesa.

Conhecer os grandes devedores que colocaram em risco, não só os bancos de que muitas vezes eram acionistas, mas as maiores empresas do país, é um requisito básico de transparência. Nas propostas que vão ser discutidas em breve na Assembleia da República, o Bloco defenderá a criação de regras claras, que se apliquem a todos os bancos por igual, e que não esqueçam o passado. O país tem o direito de saber o que se passou.

Artigo publicado em “Jornal de Notícias” a 25 de dezembro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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