Os crimes perfeitos

porFrancisco Louçã

04 de agosto 2023 - 23:36
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Um crime perfeito não é aquele cuja ocultação vence os investigadores mais atentos; é antes o que é praticado à frente de toda a gente, com a conivência e até estímulo das autoridades e merecendo um amplo aplauso.

Um crime perfeito não é aquele cuja ocultação vence os investigadores mais atentos; é antes o que é praticado à frente de toda a gente, com a conivência e até estímulo das autoridades e merecendo um amplo aplauso. O primeiro tipo de crime será eventualmente punível, ao passo que o segundo escapará mais facilmente ao castigo e até à crítica. Um forçará a que se escondam os proveitos, outro declará-los-á em relatório e contas e dividendos que provarão a argúcia do negócio. Do primeiro resultarão foragidos ou pelo menos quem tenha que viver no segredo, do segundo triunfarão comendadores e figuras gradas. Num, o crime é crime, no outro é um exemplo.

O anúncio da nova privatização da TAP, a ser iniciada em setembro, é só mais uma nova oportunidade de ouro para estes desempenhos, como o foi a anterior

As privatizações têm sido o mais celebrado desses processos exemplares. Não vos incomodo sequer com a noção de que há bens públicos ou monopólios naturais que, se privatizados, evitam a concorrência, prejudicam os consumidores e se subtraem ao erário comum; mas chamo a atenção de quem lê estas páginas para o que a vida tem demonstrado, a começar pela tutela do Estado chinês, ou do seu partido, sobre a EDP e a REN, ou o que significou a evolução de toda a banca privada, hoje em mãos estrangeiras, ou a destruição dos CTT e o impacto da venda da ANA. E se as investigações em curso sobre vendas em proveito próprio de bens da PT por alguns dos mandantes da Altice, que a adquiriu, serão esclarecidas em algum momento por um tribunal, somam-se a demasiados outros casos em que nem o interesse público nem sequer o da empresa foram protegidos. O anúncio da nova privatização da TAP, a ser iniciada em setembro, é só mais uma nova oportunidade de ouro para estes desempenhos, como o foi a anterior. Com as devidas comissões, os contratos de especialistas e os pagamentos a fornecedores, tem sido a festa dos crimes perfeitos.

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 21 de julho de 2023

Francisco Louçã
Sobre o/a autor(a)

Francisco Louçã

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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