Os "abusadores" do costume

porMarisa Matias

18 de setembro 2010 - 0:54
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O governo de Sócrates declarou que os medicamentos iriam ficar mais baratos, mas não é bem assim: aqueles que mais deles precisam - os mais pobres e os mais idosos - terão de pagar mais.

Esta semana, o governo de Sócrates declarou que os medicamentos iriam ficar mais baratos em 8%, em resultado da aprovação de um novo decreto-lei. Assim dito, quase merecia um aplauso. Mas não é bem assim: aqueles que mais deles precisam - os mais pobres e os mais idosos - terão de pagar mais.

Até aqui vigorava um sistema segundo o qual alguns medicamentos eram comparticipados na totalidade, beneficiando muitas das pessoas incluídas nesses dois grupos. Com o novo decreto-lei, essa comparticipação passa a ser de 95%. Na leitura do governo, não é relevante que estas pessoas tenham de passar a pagar mais pelos medicamentos que compram. O que é relevante aqui é que com esta redução de 5% se está a combater os "abusos que se verificavam com esta comparticipação especial". Não deixa de ser contraditório o facto de o anúncio ser simultaneamente de baixa nos custos dos medicamentos e de corte na despesa pública. Se o governo tem como objectivo poupar 250 milhões de euros por ano com esta medida, é óbvio que essa poupança terá de sair dos bolsos de alguém.

Medida atrás de medida, na saúde como nos direitos sociais, é esta a mensagem que se quer fazer passar: acabe-se com os abusos! Como é que é possível continuar a fazer sempre o mesmo discurso e actuar de forma absolutamente inversa? Se esta semana o anúncio foi sobre os medicamentos, podemos lembrar inúmeros exemplos onde a mensagem foi exactamente a mesma: corte-se nos "abusos" das pensões; corte-se nos "abusos" dos subsídios de desemprego; corte-se nos "abusos" do rendimento social de inserção.

Uma administração pública mais rigorosa e mais transparente é um objectivo pelo qual todos devemos lutar. Fazê-lo passar, contudo, pelo sistemático ataque aqueles que menos meios têm, convenhamos, começa já a ser um abuso. As escolhas são sempre políticas. Haja, então, coragem para impor alguma justiça. Isso, sim, seria uma boa medida para evitar abusos.

Marisa Matias
Sobre o/a autor(a)

Marisa Matias

Deputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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