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Optimismo a IVA zero

Quando a ASAE sinalizou margens médias de lucro de até 50% nos supermercados e quando, no ano passado, as cadeias de distribuição tiveram à venda produtos com margens de lucro a rondar os 50% em bens alimentares essenciais, é difícil acreditar que todos acordaram agora para o mal-estar geral.

Há um denominador comum nas reacções de tudo o que mexe, em qualquer espectro político, na resposta às medidas anunciadas pelo Governo relativamente ao acordo alcançado, na segunda-feira, entre Estado, distribuição e produtores através do pacto para a estabilização e redução de preços dos bens alimentares.

Enquanto a Esquerda aponta a inutilidade das medidas, tardias e ineficazes, jurando que a fixação de preços é o remédio distributivo "à la carte" que afina o apurado gosto pelos 44 alimentos essenciais a IVA zero, a Direita diz que as medidas são tardias e clama pela redução de impostos. Diga 44, não repita. As associações de consumidores bradam por fiscalização e asseguram que as medidas pecam por tardias. O lapso temporal e a falha na cronologia parece ser matéria onde todos se entendem. Alguma razão existirá para algo que, sendo tão indesejado, seja tão tardiamente recebido.

Essa razão funda-se na desconfiança. Ao contrário de António Costa, "irritantemente optimista" na versão de Marcelo, a esperança não é a última a morrer: antes, morre o poder de compra que continua a perder-se. Se todos têm que fazer a sua quota parte de sacrifício, como ontem referiu o primeiro-ministro, será imperioso que o patamar último de confiança não seja demolido. As "condições de fazer em conjunto" pressupõem mesmo o comprometimento dos produtores e retalhistas em baixar o valor do IVA, sendo que boa parte dos problemas se coloca a jusante. Os abusos das distribuidoras e o aproveitamento face à inflação têm colocado o nível de desconfiança em picos históricos. As suspeitas de especulação na elaboração de preços na grande distribuição têm que ter um fim e esta é a derradeira oportunidade para acreditar que assim seja. O IVA está a zero na transacção de optimismo e ainda assim vende-se caro.

António Costa Silva, ministro da Economia, prometeu pulso de ferro, inflexível, perante as práticas abusivas, no sector onde António Costa promoveu um acordo. Quando a ASAE sinalizou margens médias de lucro de até 50% nos supermercados e quando, no ano passado, as cadeias de distribuição tiveram à venda produtos com margens de lucro a rondar os 50% em bens alimentares essenciais, é difícil acreditar que todos acordaram agora para o mal-estar geral. E sobejam paradoxos. Um deles, onde não se encontra qualquer justificação: a infracção alimentar é três vezes superior à geral quando todos assistimos a descidas e subidas, montanha-russa nos preços da energia e combustíveis. Alguém explique.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 31 de março de 2023

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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