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Oh Jeremy Corbyn

Olhemos pelo ângulo que olhemos, o sucesso de Corbyn baseia-se num discurso antielites e de justiça social que atrai os mais jovens porque não lhes atira areia para os olhos: o mercado falhou-lhes.

“Oh Jeremy Corbyn”, cantou a multidão de Glastonbury durante o concerto dos Radiohead no passado fim de semana. A toada de “Seven Nation Army”, dos White Stripes, espalhou-se como rastilho do entusiasmo pelo líder trabalhista, que não mostra sinais de arrefecimento. “I’m going to fight them off, a seven nation army couldn’t hold me back”, avisa a letra original da canção.

Jeremy Corbyn foi o inesperado cabeça-de-cartaz de um dos maiores festivais de música do mundo. No dia seguinte, Corbyn discursou durante 15 minutos perante os aplausos de cem mil festivaleiros, antes de apresentar os rappers norte-americanos Run the Jewels. Nada mau, para um político de quase 70 anos com um programa “dos anos 70”.

Essa tem sido a principal acusação atirada a Corbyn, a de que as suas propostas políticas estão “ultrapassadas” ou “historicamente datadas”. A realidade, no entanto, contesta a ideia de que na política há uma qualquer lei da gravidade que nos puxa em sentido único. Para prová-lo, estão aí os resultados eleitorais de Corbyn junto da população até aos 50 anos e o resultado histórico junto dos jovens conquistados à abstenção.

Dirão que teve um empurrão, e ninguém nega que a inabilidade de Theresa May deu muito jeito aos trabalhistas. O imposto sobre a demência (“Dementia Tax”) foi um desastre para os conservadores, como teria sido para qualquer partido que propusesse confiscar bens aos idosos, depois de mortos, para pagar a assistência social ao domicílio que receberam em vida.

O Brexit “a qualquer custo” ressoou nos receios de um eleitorado mais jovem, a quem a liberdade de circulação, os direitos dos emigrantes e a regulação ambiental ainda dizem qualquer coisa. Para Trump, basta um. Já os Bernie Sanders da Europa parecem estar a mobilizar juventude um pouco por toda a parte.

Mas isso não explica tudo. Sobretudo, não explica o que desconcerta os centristas desta vida: a adesão massiva dos jovens aos programas marcadamente social-democratas que foram banidos na Europa a partir dos anos 80 e enterrados nos anos 90 pelos próprios partidos ditos sociais-democratas, trabalhistas e socialistas.

Vale a pena recordar algumas das propostas de Corbyn: nacionalização da ferrovia, transição para um sistema público de energia e de água, reversão da privatização dos correios, programa de investimento público na economia e nos serviços públicos com ajuda de um banco nacional de desenvolvimento, aposta nos serviços públicos de saúde e educação, incluindo o fim das propinas.

Uma das medidas que têm sido apontadas como uma seta direta aos corações dos jovens é a intervenção pública no setor da habitação. A braços com a especulação brutal nos preços das casas e com as rendas impossíveis, os mais novos aplaudem a ideia de rendas controladas e de construir nova habitação pública.

Com este programa, e até ver, o Labour é o único exemplo de um partido centrista que se radicaliza à esquerda, ainda que com posições bastante recuadas em temas como a NATO e a guerra. No restante mapa europeu, os socialistas foram duramente penalizados por serem gestores da austeridade de forma indistinta da direita. Nesses casos, a alternativa de esquerda tem sido protagonizada pelos partidos da esquerda radical ou por cisões sociais-democratas dos partidos centristas.

Olhemos pelo ângulo que olhemos, o sucesso de Corbyn baseia-se num discurso antielites e de justiça social que atrai os mais jovens porque não lhes atira areia para os olhos: o mercado falhou-lhes.

Ainda muito pode acontecer em Inglaterra. Mas uma coisa é certa: os jovens ingleses parecem voltar a acreditar que podem mudar o mundo, e isso deve-se ao programa que recupera os debates essenciais que muitos queriam fechar na gaveta. Isso deve-se ao programa “dos anos 70” apresentado por Jeremy Corbyn.

Artigo publicado no jornal “I” a 28 de junho de 2017

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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