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Obrigada, Ana
Nos quase dez anos que levo no Parlamento a Ana foi sempre um lugar seguro. Conheço poucas pessoas que tanto coração ponham no que fazem, que tanto trabalho abarquem, que tantas causas abracem. A Ana foi e é uma representante exemplar do cargo que exerce, concorde-se ou não com o que defende.
Na Ana não há meias palavras, posições de circunstância, disfarces ou favores. Há convicção, valores, programa e firmeza. Não estive sempre do mesmo lado da Ana, mas das muitas vezes que estivemos e estamos do mesmo lado sabia que estava ao lado de uma fortaleza. Se é verdade que as pessoas não devem eternizar-se nos mesmos cargos, como se usa dizer, também é verdade que há quem, apesar de já tanto ter feito, deixa sempre um lugar só seu.
O mundo da Ana nunca começou e acabou em Lisboa ou em Portugal porque ela sabe que não há fronteiras para a dignidade ou para os direitos humanos. No mundo da Ana cabe o Sudão, o Egipto ou Melilla. Cabem as jovens Yazidi. Cabe o povo iraquiano. Cabem os rostos de quem vive a austeridade na pele. Discordar da Ana, seja a propósito da política de segurança, da NATO ou da Líbia, é fazer um debate limpo, sem espinhas, assim como sempre devia ser. Estar do mesmo lado é saber que ali está uma fortaleza feita de coragem e de solidariedade, é saber que as fronteiras partidárias, apesar de importantes, não ditam todas as alianças possíveis.
Lembro-me de a ter “conhecido” muito antes de a ter por companheira e estava ainda muito longe de imaginar que partilharíamos a mesma função um dia. Eu tinha acabado o curso superior há pouco tempo quando me emocionei com a auto-determinação de Timor Leste no ocaso do século passado. Quando colocávamos panos brancos nas janelas, acendíamos velas ou luzes para serem vistas por satélites ou dávamos as mãos como se o futuro fosse uma coisa que nos pertencesse colectivamente sem termos de perguntar porquê. Nesses dias de unidade de um povo em solidariedade com o povo maubere havia um rosto presente que nos assegurava. Era o rosto da Ana.
A diplomacia exercida pela Ana sempre foi além do que se espera de quem é diplomata. Nunca deixa de tomar partido, de ter posição, de defender o que entende ser justo. Voltei a “encontrar-me” com a Ana quando corajosamente assumiu as suas funções na Comissão Temporária sobre a presumível utilização pela CIA de países europeus para o transporte e detenção ilegais de prisioneiros. Conheci-a, finalmente, em 2009 quando cheguei ao Parlamento Europeu. A Ana é uma lição permanente. Representa Portugal de cabeça erguida e de coração cheio. A Ana é de toda a gente. E assim continuará. É só mais uma missão que chega ao fim.
Artigo publicado no “Diário de Notícias” a 12 de janeiro de 2019
Comentários
Obrigada Marisa! Tanto pelo
Obrigada Marisa! Tanto pelo conteúdo - que quem acompanha as posições de Ana Gomes só pode subscrever -, como pela elevação de espírito além fronteiras partidárias.
Quais nunca concordo ném
Quais nunca concordo ném consigo nem com a Ana Gomes,mas reconheço a vossa seriedade,verticalidade e honestidade na defesa do julgam ser útil e verdadeiro.
Para políticos,já é muito,tendo em conta a qualidade daqueles que nos rodeiam.
Cara Marisa
Cara Marisa
O seu artigo é de uma grandeza de carácter comovente. Vivemos tempos tão assustadores, em que cada um parece só acreditar nos seus pontos de vista, incapaz de vêr no "outro" alguem com interesse, com o qual podemos encontrar caminhos comuns. Até na alienação clubistica temos diculdade em reconhecer mérito no adversário. Apesar de Ana Gomes pertencer ao PS, não partilhando portanto totalmente os nossos pontos de vista, temos a obrigação de lhe reconhecer coragem e verticalidade no seu desempenho enquanto deputada europeia e enquanto interveniente política. O seu papel na questão timorense é para mim de grande relevo. Não, não são "todos iguais". Ana Gomes é a prova disso. Acredito na reeleição da Marisa, tenho a certeza que vai continuar a lutar pelas causas justas em que acredita, muitas das quais partilhadas por Ana Gomes.
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