Tasco, tasca, tasquinha, taverna. Na fronteira do café, do snack, da cervejaria.
Às vezes, hoje, é um kebab – daqui a 200 anos, “québabe”, palavra de origem desconhecida – onde há minis, garrafinhas de martini e cafés com cheirinho. Aliás, parece que a palavra tasca, tão tuga, tem origem romani.
O tasco é a versão portuguesa. No Reino Unido são as Public Houses, ou Pubs, onde se debateu e conspirou. Foi nos Pubs de Londres que germinou a Primeira Internacional, era aí que Lenine recebia os camaradas russos em missão; e no Germinal, de Zola, era no tasco em frente às minas de carvão, de um taberneiro socialista, que se pagavam as quotas da Internacional. Por cá, o Zeca cantava que já se via o Escandinávia Bar, na Fuzeta; por cá, o tasco foi sala de ensaios do Cante e do Fado. E também, claro, de conspirações e revoltas.
O tasco está sob cerco. Pressionam-no as rendas altas e o poder de compra baixo, a competição desleal dos Wine Bars, dos Brunchs e das Padarias Portuguesas, esse franchising espanhol. O neoliberalismo não perdoa: é ele, e não qualquer veleidade socialista, que homogeniza, higieniza e silencia. Ele esmaga o pequeno negócio, sufoca o modesto empreendedor, aniquila o que é particular, o que é nacional, o que é comunitário – o que é nosso. O capitalismo ameaça o tasco.
Mas não só. Inverte o mundo de ponta cabeça (bela expressão do português do Brasil). Vende-nos o real como um reflexo, ou seja, com a direita na esquerda e a esquerda na direita. Tudo ao contrário. Aposta em fazer um projeto elitista, conservador, autoritário, inimigo do povo, aparecer como transgressor, transformador, popular e populista. E, desavisados e desnorteados, podemos mesmo enfiar a carapuça. Assumir como deles o que deveria ser nosso e entregar nos braços do inimigo fascista o que dele não é, premiando-o sob a forma de pretenso insulto com a acusação de defender aquilo que ele quer destruir: o tasco. O popular, o comunitário, o particular, o nacional – o que é nosso.
Não, a Assembleia da República não está feita num tasco. Tomara, passe o exagero. Está feita num balneário de um clube masculino de elite; num clube de caça de untuosos latifundiários e seus sabujos; nuns obscuros lavabos de uma discoteca seleta com direito de admissão onde CEO embriagados terminam a noite após não menos obscuros jantares de negócios. No que quiserem, mas, por favor não digam que a Assembleia da República está feita num tasco.
Não vale a pena idealizar as classes populares, as suas ideias e maneiras – entre nós, há a boa e a má educação, os preconceitos reacionários e as convicções de igualdade. Há de tudo e mais um par de botas. Todavia, não caíamos no oposto da idealização: a grunhice não é apanágio dos ambientes populares, menos ainda a mentira, a violência, as torpes ideias fascizantes. Felizmente, muitos de nós não tivemos o azar de conviver com gentes “bem”, com os CEO e os entrepeneurs – com os burgueses. Contudo, não duvidemos: eles estão mesmo bem representados nos sessenta fascistas que conseguiram meter no Parlamento, nos seus métodos e maneiras. Não, não é no tasco que eles se reveem. Escusemos de lhes atribuir essa origem, de lhes emprestar essas raízes que não têm, de lhes fornecer, na bandeja do insulto que permite a vitimização, a máscara que esconde a sua origem de classe.
Hillary Clinton ficou conhecida pelo seu desprezo pelos “deploráveis”, os supostos votantes de Trump. Se os fascistas merecem esse epíteto e muito pior, não parecia ser a eles que a candidata Democrata de 2016 se dirigia – Trump foi para os Clinton um aliado, quando era apenas um famoso entrepeneur envolto em negócios obscuros.Nessa expressão, foi impossível distinguir a oposição política ao trumpismo da forma de trato que as elites liberais – de centro-direita ou de centro-“esquerda” – reservam às as massas trabalhadoras. Esse desprezo elitista não surge da adesão de parte das camadas populares ao voto na extrema-direita, já lá estava antes. Porém, esse desprezo empurra para os braços dos fascistas camadas populares que, à partida, lá não estavam.
(Sim, é certo que muitos desses trabalhadores e trabalhadoras que acabam a votar nos seus carrascos estão, não poucas vezes, impregnados de preconceitos reacionários – mas achamos que não o estavam quando votavam na esquerda?)
Ao contrário de Hillary, Zohran Mamdani empenhou parte importante das suas forças em compreender sectores do eleitorado trumpista, em particular os que haviam, durante anos, votado nos democratas, mas que tinham deslizado para Trump nas últimas eleições. “Listening, not lecturing” – ouvir em vez de dar ralhetes, numa tradução livre – foi o seu mote. Fê-lo sem ceder em nenhum princípio – nem tinha hipótese, ele mesmo um imigrante muçulmano e socialista. Parece que os resultados desta abordagem não foram péssimos.
Vá, não vale a pena dourar a pílula. Não é fácil. Uma “conversa de café”, um fim de tarde passado no tasco, hoje, não é pera doce. Nem Pêra-Manca. Vamos ouvir coisas de que não gostamos. Mas se estivermos a ouvir, já não é mau. É por aí que se começa.
Vamos ao tasco?
