O tamanho do bigode de Hitler

porMiguel Guedes

26 de outubro 2018 - 20:54
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É sempre possível encontrar pontos de relativização ou de fuga, coordenadas para omitir algo que tem que ser dito ou para usar e abusar de silêncios. A tal física possibilidade do copo meio cheio ou vazio.

Mas há um porto seguro, onde habita o sem mais nem menos, casa permanente de que ninguém com responsabilidade política pode fugir, sob o peso da sombra que há-de vir, abatendo-se.

O debate sob o tamanho do bigode de Hitler é sintomático para o exercício do peso relativo da expressão. Há sempre quem o tenha considerado pequenino e mal-amanhado, inapelavelmente colocado debaixo do nariz. Mas há também quem o considere bem grande e farto se comparado com uma barba com um dia ou dois por fazer. Sabemos bem, qualquer bigode nasce e rapidamente se transforma mesmo debaixo do seu nariz. Está na cara. Menos para aqueles que insistem em normalizar o fascismo.

Sem medo de deixar atrás de si a compulsão para o abismo, continuamos a assistir à caravana de gente que pretende normalizar Bolsonaro pela comparação com Haddad. Nessa matéria, há aliás uma democracia cristã portuguesa que não se cansa de um jogo numa casa de espelhos. E pendura-se ao ouvido uma frase batida sobre políticos: "São todos iguais", ainda que opostos. Depois de uma semana com segundas linhas a disparar em riste pelo branqueamento de Bolsonaro, eis que a primeira escolha de Assunção Cristas para as eleições no Brasil seria... não votar. É curiosa esta apologia à abstenção por parte da responsável maior de um partido com assento parlamentar que teve, variadíssimas vezes, responsabilidade governativa. Mas é ainda mais singular como Cristas tem a determinação de dizer que não votaria em ninguém, metendo no mesmo saco um candidato ideologicamente distante de si e um candidato que ameaçou fuzilar os seus adversários políticos. A convivência com o fascismo tem um nome: conivência. Foi para isto que o Cristianismo fundou o CDS-PP sem margem para arrependimento ou estará, ele mesmo, a ser o elo mais fraco da conivência com as suas fissuras "alt-right"?

Para a democracia não há uma escolha ainda que para os democratas possa haver sapos. A diferença para os defensores da liberdade é que admitem o indigesto menu mesmo que, numa segunda volta, tenham que votar em alguém que terá metido a sua ideologia na gaveta. Não pode haver dúvidas. O Brasil arrisca-se a voltar a ser um farol de repressão, tortura e de violência de Estado. Mesmo assim, continuaremos a ver como muitos nunca desistem de relativizar o tamanho do bigode do "mein Fuhrer" com o respeito pelos direitos humanos bem escanhoados à lâmina.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 26 de outubro de 2018

Miguel Guedes
Sobre o/a autor(a)

Miguel Guedes

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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