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O sorteio é mais justo que os exames?

A provocação foi feita há uns anos pelo pedagogo brasileiro Rubem Alves: e se os exames de acesso à Universidade fossem substituídos por um sorteio?

A proposta, insólita e aparentemente absurda, teve pelo menos um mérito – desencadear o debate.

A favor desta ideia o professor argumentava que o fim deste tipo de provas tinha várias vantagens. Libertaria as escolas para verdadeiramente educar, em vez de estarem escravizadas ao treino para os exames. Acabaria com a indústria dos “cursos preparatórios” ou das explicações, ela própria reprodutora da desigualdade. E era um mecanismo socialmente mais justo no acesso ao ensino superior, estando demonstrado até à exaustão que continua a haver uma relação direta entre origem social e resultados escolares. O sorteio daria assim oportunidade para que também os pobres acedessem à Universidade, num Brasil marcado por uma barreira de classe no acesso a este nível de ensino.

A realidade do vestibular brasileiro e do ensino em Portugal não é a mesma. Mas há na provocação de Rubem Alves uma interpelação saudável aos lugares comuns sobre a avaliação, pondo em causa o pressuposto de que os exames aferem com rigor a aprendizagem.

Com o fim dos exames nacionais do 4º ano, ouviu-se de novo as vozes conservadoras para as quais só o velho exame, que a democracia aboliu em 1974 e que só voltaria com Nuno Crato, seria uma marca de exigência. Não é.

Como se argumentou já várias vezes, em toda a Europa, só num país existiam provas deste tipo. Não por acaso: elas não promovem a aprendizagem nem o método, mas o medo. Elas subalternizam todo o processo pedagógico e o percurso dos estudantes. Elas não contribuíam para o essencial, que é garantir que todas as crianças aprendem e que a escola não desiste de ninguém.

Se os exames do 4º ano eram, além do mais, uma violência sobre crianças de 9 anos, a lógica que presidiu à introdução de exames no 6º e no 9º ano é a mesma. No anterior mandato, a Direita disseminou a ideia de que os exames assegurariam rigor e exigência, ao mesmo tempo que degradou a capacidade da escola promover aprendizagens para todos. Aumentou-se o número de alunos por turma, perseguiu-se os professores, procurou expurgar-se o currículo de todo o tipo de saberes que tivessem alguma relação com a cidadania ou com a formação integral do indivíduo, instituiu-se a lógica da escola dual. Atualmente, quase metade dos jovens estão no ensino vocacional. Longe de se verificar uma diversificação de percursos, o que foi feito foi uma seriação hierárquica das vias: de um lado, um ensino geral para os que têm mais condições; do outro, uma via vocacional intencionalmente desvalorizada, vista como um castigo para quem tem má notas.

Os exames fizeram parte desta visão de conjunto sobre o ensino. É ela que precisa de ser desmontada.

Artigo publicado em expresso.sapo.pt a 18 de dezembro de 2015

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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