Os sovietes mais a electricidade.
Noutro tempo a equação para o socialismo parecia simples. Claro que é injusto reduzir o projecto leninista a este lema, mas ele era sinal tanto da ânsia de melhorar a vida de milhões de pessoas quanto do paradigma produtivista da industrialização em que se baseava. Depois, sem Lenine, os sovietes que já não nada tinham de sovietes tornaram-se numa ditadura que não era do proletariado e a electricidade e o petróleo ficaram a alimentar as pesadas rodas dos supostos motores do progresso. O motor estava já gripado.
As multinacionais mais o petróleo.
A receita do capitalismo actual é bem mais complexa do que esta fórmula. Mas a era da ânsia do lucro predatório inclui certamente como ingrediente o poder das empresas multinacionais regado a petróleo. Poderíamos por isso dizer que vivemos o tempo da ditadura do petrolariado (expressão feliz de Thibault Scheeberger). O seu motor ainda não gripou mas o tempo da adição ao petróleo dará lugar ao tempo da ressaca, à medida que as reservas se forem esgotando e que as políticas públicas subjugadas aos interesses das petrolíferas continuem incapazes de preparar a transição para um mundo com petróleo escasso ou sem petróleo. E tal como hoje se coloca a questão de quem paga a crise financeira, talvez no futuro tenhamos de discutir quem pagará a próxima crise energética.
Chorar sobre petróleo derramado
O derrame da BP na plataforma Deepwater Horizon, no Golfo do México, que está a causar um desastre ambiental sem precedentes, é já o resultado trágico desta escassez e da falta de escrúpulos que faz com que se tenha de procurar petróleo cada vez mais longe, cada vez mais fundo e cada vez com mais riscos: a maré negra resultou da maré baixa do petróleo norte-americano. O derrame mostra-nos também um poder político subjugado aos interesses corporativos através da dependência da suposta regulação do sector das empresas que regulava. E o próprio Obama a 30 de Março anunciava o fim da moratória às perfurações offshore em vastas zonas sensíveis no Alasca, Árctico e nas profundezas do golfo do México como solução para a crise para pouco depois, no seguimento da pressão pública que se seguiu ao desastre, ser obrigado a recuar na sua veia petrolífera.
A democracia participativa e as renováveis?
O socialismo do século XXI sentirá necessidade de regressar tanto ao que de melhor tiveram os sovietes como a outras experiências para procurar formas mais profundas de democracia participativa. Claro que não lhe bastará certamente ser o tempo da democracia participativa e das energias renováveis limpas ou dos sovietes e do decrescimento. Mas é importante evitar cair nas armadilhas do produtivismo que pode colocar em causa a sobrevivência da espécie. Porque ainda que o capitalismo se possa reinventar sem o petróleo (pelas apropriação privada das energias renováveis ou pela imposição da energia nuclear) não pode deixar de ser o tempo da ganância desregulada do lucro, do ciclo do produtivismo e do consumismo e do aquecimento global. E assim será o tempo de novas marés negras a que se tem de opor o socialismo enquanto recusa da privatização dos monopólios naturais e da vida com bem comum como motor.
