António José Seguro é um líder curioso e tem, certamente como outros, tiradas caricatas. Na passada sexta-feira, em reação ao anúncio das novas medidas de austeridade, em direto em entrevista na TVI, Seguro lá explicou que o Primeiro-ministro lhe havia enviado um email sobre o assunto e que mais tarde o iria ler. Sem grande cerimónia, Seguro adiou uma reação mais crítica sobre as medidas concretas apresentadas porque, ao que parece, não tem um smartphone. A austeridade pelos vistos toca a todos. Ou Seguro é mesmo adepto é da tradição epistolar. E assim antes da ida à televisão o “líder da oposição” ainda não tinha lido o documento sobre uma nova vaga de austeridade de mais de 4 mil milhões, que abanou o país. Mais tarde ia ver o email, talvez em casa, no recato do lar.
Esta frase, uma declaração episódica, não passou disso mesmo, mas não deixa de ser algo sintomática. Seguro é de facto um líder sem pressas. E ao contrário do que se esforça por auto-proclamar nem mesmo “quando a luta aquece se vê a força do PS”. Diz agora negar-se a entendimentos para o tão apregoado consenso com o PSD, por não querer ser usado pelo Governo para caucionar os novos cortes. “Portugal está a beira da tragédia social. Por isso é necessário abandonar a atual política de austeridade”, disse ontem, repetindo uma espécie de slogan, com que percorre, nas últimas semanas, a sua rota pelo país profundo.
O facto é que Seguro bem pode “indignar-se” e querer mostrar-se um líder cheio de boas intenções, que isso vale-nos de muito pouco. Continua a manter o PS no limbo entre a cumplicidade com a austeridade e as palavras vãs de que quem deseja uma mudança meramente cosmética nas políticas do empobrecimento. E quase todos os dias lá aparece para nos mostrar o quanto o país pode esperar pouco de um PS que está preso no seu próprio labirinto, sem descolar de uma oposição fraca e inconsequente. Ou não fosse Seguro o mesmo que consegue querer num minuto “a substituição deste Governo” mas que esclarece de pronto “tanto sirvo o país no Governo como na oposição”. É com esta indiferença perante a situação que cresce o descrédito sobre a auto-proclamada oposição de alternativas. Não se estranha portanto o diagnóstico que surge de dentro do partido, durante o próprio congresso, há dias: o PS vive a era da falta de credibilidade, que reside na incapacidade para enfrentar a situação atual, sair de cima do muro e rasgar com o memorando de entendimento e com a Troika.
Mas a excessiva retórica que esconde uma real resignação perante o agravamento da situação social do país, a que Seguro nos habituou, não é acaso, é propósito. A auto-proclamada alternativa é na realidade uma estratégia assente no rotativismo, que permite ao PS não abandonar a sua zona de conforto e não atuar com a firmeza necessária sobre as medidas de austeridade impostas pelo memorando. O PS continuará assim, ao que tudo indica, como um mero espectador do apodrecimento da situação do país. Não é só uma questão de pouca pressa, nem de falta de smartphone.
