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O retrocesso animal de José Manuel Bolieiro

No dia 20 de fevereiro, realizaram-se manifestações / concentrações em três ilhas distintas, mas unidas pela mesma causa: o bem-estar animal. Pico, Terceira e São Miguel. Vem agora o PSD tentar passar uma imagem de benevolência dizendo que apresentará propostas para clarificar o assunto.

No dia 20 de fevereiro de 2022, realizaram-se manifestações/concentrações em três ilhas distintas, mas unidas pela mesma causa: o bem-estar animal. Pico, Terceira e São Miguel. Pelos seus cartazes, pelas suas vozes, a mensagem foi em uníssono: não aceitamos um retrocesso na política do abate 0, na nossa região!

Foram anos marcados pela luta de centenas de pessoas que ansiavam pelo fim da chacina de milhares de animais saudáveis abatidos nos Açores, e que contou com uma moratória de 6 anos para o fim da morte de animais saudáveis, em contexto de canis públicos.

Recordo perfeitamente o dia em que, na Assembleia Legislativa, conseguimos ditar o fim de uma política que durante anos provou ser ineficaz. Embora extremamente feliz por fazer parte daquele momento e do meu voto contar para o fim de um processo que o Bloco de Esquerda iniciara há muitos anos, entre as palmas que se ouviam e as lágrimas que a máscara escondia, lembro-me de me questionar acerca daquele velho ditado popular “Quando a esmola é grande até o pobre desconfia”.

E assim é! Pouco mais de um ano após esse momento, eis que nos encontramos perante a intenção clara de um retrocesso por parte de uma espécie de Governo Regional, que apresentou um conjunto de propostas de alteração cuja terminologia, encoberta por expressões vagas, tudo parece permitir.

Há um ano atrás, a então presidente da Associação de Municípios dos Açores, em sede de comissão, afirmava que os Açores estavam prontos a implementar o fim do abate de animais saudáveis em canis.

Passado este tempo, surpreendentemente, o vice-presidente da referida Associação, em sede de comissão, sem conhecimento de causa dos restantes municípios da nossa região, sem dados para responder a algumas das questões colocadas, optou por falar da realidade que lhe é próxima, recorrendo a palavras como “penando”...

Não nego a negligência, maus-tratos, fome, sede, pancadaria, enforcamentos e abandono de animais.

Infelizmente, acontece. Acontece mais do que seria moralmente correto, em qualquer sociedade civilizada.

É o reflexo de uma comunidade que se construiu. É sinal de que as campanhas de sensibilização não estão a surtir os efeitos desejáveis, necessários e urgentes. Quando temos indicadores de que os objetivos definidos não estão a ser alcançados devemos ter a humildade de alterar a estratégia e isso não aconteceu.

Face ao abandono de animais, de ninhadas indesejáveis, o que faz o Governo Regional? Apresenta propostas para que se possa retroceder e voltar ao abate.

Porquê?

Porque sim.

Porque outros motivos e outras “razões” parecem esconder-se na sombra deste assunto. Porque os que nos governam parecem querer esconder a ineficácia sucessiva das políticas implementadas nesta matéria, atirando o tema para um canto e desconversando com novas estratégias dignas de um quadro surrealista do começo do século passado.

Ao longo dos anos abateram-se milhares de animais como medida de controlo da sobrepopulação animal.

Resultou?

Não!!

Defendemos então que o cerne da questão residia na falta de esterilização. O problema continua a ser o mesmo: ninhadas indesejadas! Mais tarde ou mais cedo, estas são abandonadas.

A política que o Governo Regional devia implementar era a da esterilização massiva. Sentar com quem está todos os dias na rua, lidando com a situação animal, e escutar!

Só que quando se fala em escutar, fala-se no ato de ouvir, e não na narrativa teatral que já nos acostumaram, de fingir estarem atentos, apenas para virar costas e fazer o que lhes apetecer. E não só, claro. Fazer também o que apetece aos grandes grupos económicos que comandam os seus destinos.

Vem agora o PSD, após centenas de emails que deputadas e deputados receberam, e após uma carta aberta enviada a José Manuel Bolieiro, tentar passar uma imagem de benevolência dizendo que apresentará propostas para clarificar o assunto. Clarificar uma questão que ignoraram durante tanto tempo, até serem confrontados com este magnífico movimento de cidadãos que não se deixaram ficar perante tamanha injustiça moral e social.

Já o Governo Regional vem à praça pública dizer que não é o retrocesso que pretendem, mas, facto é que em caso de silêncio das pessoas, teria ficado exatamente assim. A intenção já está registada e não se esquece.

Para um governo que usa e abusa do lema “bem-estar animal”, toda esta situação demonstra o seu contrário!

No entanto, o Governo tem ainda tempo para retirar aquela proposta, sentar-se com quem sabe da realidade e que se tem substituído às obrigações do Estado e da Região! O Bloco também está disponível para esta conversa.

Sobre o/a autor(a)

Deputada do Bloco de Esquerda na Assembleia Regional dos Açores. Licenciada em Educação. Ativista pelos Direitos dos Animais. Coordenadora do Bloco da Ilha Terceira
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