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O regime da impunidade absoluta

Israel é o resultado de uma história trágica. O Holocausto e a perseguição nazi aos judeus impulsionou a imigração de populações perseguidas do centro da Europa para fora da Europa, e o decadente império britânico, com o francês, com a indiferença internacional, exilou estas populações e comunidades para Palestina, esperando criar uma zona de contenção e controlo no coração do mundo árabe. Israel nasceu assim no coração da guerra e definiu-se como um Estado em guerra. A guerra é a sua natureza.

O triunfo do sionismo
Mas esta tragédia tem ainda uma outra história - a do triunfo do sionismo entre as comunidades judaicas. Antes da Segunda Guerra Mundial, o sionismo era uma corrente entre outras e razoavelmente indefinida, ainda não marcada pelo triunfalismo teocrático que mais tarde veio tingir a fundação de Israel - os pais do sionismo admitiam que Israel se pudesse fundar no Uruguai, na Palestina ou em qualquer outro território, sem estarem amarrados a uma transcendência religiosa que inflamasse as confrontações simbólicas por Jerusalém.

Além disso, o sionismo disputava a hegemonia entre os judeus europeus, mas encontrava pela frente um formidável adversário: o Bund, uma grande organização socialista e laica que estruturava uma parte da intelectualidade e do movimento operário da Europa Central. O Bund era então um dos partidos socialistas mais fortes da Europa. Mas o Bund foi dizimado pela repressão nazi, em particular com a destruição da resistência heróica do Gueto de Varsóvia, e o sionismo acabou por se encontrar em relação de forças favorecida.

O Estado da impunidade absoluta
Assim nasceu Israel. De uma escolha imperial, de uma tragédia da guerra passada e com todas as promessas de todas as guerras futuras. A desapropriação das terras dos palestinos, a política de purificação étnica por via dos colonatos, a expansão das fronteiras, como agora o Muro, estão inscritos nesta violência matricial. Israel tornou-se assim o Estado da impunidade absoluta, o poder regional da guerra, a potência nuclear mais secreta e mais evidente, a polícia do mundo árabe. Evidentemente, este poder absoluto só é possível porque assim o quer a Casa Branca.

O supra-imperialismo alimenta e alimenta-se desta hierarquia e desta política de criação de liderança regional. Assim, se muitos comentadores criticam a desproporção da resposta israelita bombardeando o Líbano - mas nada do que se passa se pode medir por proporções - e têm razão na sua indignação, vale a pena sublinhar que o principal excesso desta guerra é a perpetuidade da impunidade. A natureza guerreira do Estado exige a guerra permanente contra os Estados e as populações.

Podem os genocidas de Sabra e Chatila, como Sharon, ter sido os iniciadores de uma retirada parcial, sem garantias nem sinceridade. Continua sempre a ser evidente que Israel não quer nem pode aceitar um Estado Palestino, porque é contra a sua natureza e a estratégia de quem o dirige, os homens da guerra.

Dizia a presidente do Meretz, o partido da esquerda israelita que esteve presente na Universidade de Verão da Esquerda Europeia, promovido pelo Bloco em Tavira no fim de semana passado: olhem para Haifa, onde populações árabes e judias vivem juntas, onde as crianças vão juntas à escola. Haifa mostra como podem viver juntos em paz. As bombas sobre o Líbano, sobre Haifa e sobre as populações civis mostram que é preciso mudar a natureza da política regional para conseguir a paz. E a paz só se conseguirá se o Império for derrotado no Médio Oriente.

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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