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O que é um herói? Há 25 anos, o assassinato de José Carvalho

José Carvalho, o "Zé da Messa", foi assassinado há 25 anos, à porta da então sede do PSR, na Rua da Palma. Foi assassinado por um grupo de neo-nazis, tendo mais tarde vários desses skinheads sido condenados pelo crime.

José Carvalho, o "Zé da Messa", foi assassinado há 25 anos, à porta da então sede do PSR, na Rua da Palma. Membro da comissão de trabalhadores da Messa, uma empresa metalúrgica de 1700 operários que lutaram durante anos a fio pela sobrevivência do seu emprego, até a fábrica ser encerrada em 1985, o Zé tinha também uma experiência política intensa nos SUV (Soldados Unidos Vencerão, organização de soldados e oficiais revolucionários, que foi protagonista de importantes lutas durante o verão de 1975) e na vida de agitação de que tanto gostava. Foi eleito para a direção do seu partido nos finais dessa década.

Foi fundador do Movimento Tropa Não, que organizou iniciativas políticas e culturais marcantes, como os concertos no Rock Rendez Vous ou no Bar das Palmeiras, envolvendo muitas das principais bandas que protagonizavam a expansão do rock em Portugal. Era entre esses amigos e camaradas que ele gostava de estar. A eles dedicou a sua generosidade e foi à porta de um desses concertos que foi assassinado por um grupo de neo-nazis, tendo mais tarde vários desses skinheads sido condenados pelo crime.

Um documentário testemunha a sua vida e junta depoimentos de quem conviveu mais de perto com o Zé, e os seus amigos organizaram ao longo dos anos diversas iniciativas para evocar a sua memória. Assim, em 2009 juntaram-se as bandas Albert Fish, Ex-Votos, Dalailume, Revolta, Gazua e Peste & Sida para um concerto em Lisboa. Em 1989 tinham-se juntado muitas bandas no Pavilhão dos Desportos, com milhares de pessoas numa homenagem comovida e que constitui o primeiro grande protesto anti-fascista naqueles anos em que nos desabituáramos da ameaça. Ninguém faltou: os Xutos e Pontapés, Jorge Sampaio e todos os partidos se fizeram representar, tantos jovens da Amadora, onde ele fora nascido e criado, tantos amigos, tantas lágrimas e tanta música cantada com força.

 

Quando olharmos para trás e nos lembramos do Zé da Messa, podemos evocar os tempos de entusiasmo daqueles verões revolucionários, ou os tempos de angústia dos longos anos oitenta, quando a esquerda se dividia e desaparecia da política, amargurada pelas suas derrotas e pela sua genética de pequenos grupos. Podemos lembrar-nos de como se recuperou dessa travessia desértica juntando forças e movimentos sociais, inventando a radicalidade das coisas simples. Podemos saber de momentos de ternura e de comunidade, de tristezas e desamores, tudo isso é vida. Mas talvez seja preferível lembrarmos os heróis que são esta gente simples que esteve connosco e que perdemos para sempre. Heróis imperfeitos, defeituosos, tantas vezes perdidos, que não são dirigentes da história, que não transformaram o país, mas simplesmente heróis porque nunca desistiram de o fazer e de o querer, pese o que pesasse. Heróis porque foram impacientes, porque quiseram viver com os outros e isso faz o tempo que muda tudo. O Zé foi um desses heróis simples, e conhecê-lo vale uma vida.

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Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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