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O que é a Escola?

Sr. ministro da Educação, preocupa-me uma questão que, com reinício de aulas aí à porta, julgo ser das competências da sua pasta.

Já procurei esclarecê-la com o seu antecessor no cargo mas este, talvez porque o combate ao tal “eduquês” não lhe dava um minuto de descanso, não me respondeu no (seu) tempo útil, ou seja, até 24 de Novembro de 2015.

Também tenho esperado um esclarecimento suficiente sobre a questão da parte dos sindicatos dos professores. Mas estes, provavelmente porque consideram que a “minha” questão é meramente “filosófica” ou porque carecem mais da sua atenção outras questões mais sindicalmente mobilizadoras (carreiras profissionais, diminuição da idade da reforma, horários de trabalho, vinculação ao “quadro” do Estado de professores em regime de precariedade laboral, etc.), não me responderam ainda a tal questão.

PISA, TIMSS e rankings de vários anos foram outras das prováveis fontes a que recorri para obter uma resposta. Contudo, francamente, passando para trás e para a frente aquele emaranhado de números e percentagens, também não consegui lá descortinar (há quem chame “cortinas” às estatísticas…) a resposta à minha questão.

Interrogar-se-á já o Sr. ministro: Mas, afinal, qual é a questão?

Não, não tem “só” a ver (ainda) com a falta de professores, de técnicos e de pessoal auxiliar com adequada qualificação, remunerações e condições de estabilidade. Ou, mesmo, com as polémicas sobre os currículos, os manuais, as provas de aferição ou os exames. Sequer se relaciona com o bullyng escondido que por aí existe nas (ou das) escolas. Ou com o abuso de psicotrópicos entre os alunos, sobretudo em altura de exames. Nem, mesmo, com a (re)concentração, digo, “municipalização” da Educação ou, até, com algumas instalações ainda degradadas de certas escolas onde, há pouco tempo, era necessário aprender (aprendia-se?) e ensinar (ensinava-se?) com cobertores nas costas e baldes a aparar as pingas de chuva.

A questão que me preocupa é algo que, se bem que também tenha a ver com tudo isso (e não só), é, na formulação, muito mais simples. Se bem que, na substância, de grande complexidade (e muito daí a minha latente dúvida). A questão é, muito “simplesmente”: O que é a Escola?

Sim, o que é a Escola? Um edifício de grande valor patrimonial e arquitectónico? Uma ludoteca? Um “depósito” onde os pais podem deixar os filhos para poderem ir trabalhar? Um “mero” local de trabalho onde, quotidianamente, professores, técnicos e outros funcionários vão “ganhar a vida”?

Estas, por si só, algumas (sub)dúvidas. Outras seria possível acrescentar. Por isso, resolvi colocar a questão ao Sr ministro de uma forma mais, digamos (passe a imodéstia), construtiva.

Assim, listo uma série de pressupostos (variáveis) enformadores de uma hipótese de resposta para a minha questão: a Escola é, essencialmente, uma organização de educação e ensino.

Os pressupostos são os de que, sendo a Escola uma organização de educação e ensino, garante:

- Um desenvolvimento integrado, coerente e equilibrado de cada aluno, isto é, instrutivo sim, mas também físico, cultural, ético e cívico;

- Equidade e inclusão socioeducativa, isto é, dependendo da condição (física, mental, familiar, económica, social ou cultural) de cada aluno, processos, métodos, instrumentos e meios socioeducativos diferenciados e positivamente discriminatórios para cada um, mormente para os que têm “necessidades educativas especiais”;

- Exigência e rigor nos conhecimentos e responsabilidade e disciplina nas atitudes e comportamentos sim, mas antes, como disso mais factores que resultados, reconhecimento, estímulo, tolerância, afectividade, sociabilidade, compreensão;

- Competências, recursos, organização e gestão tendo como exclusiva referência a educação e ensino, sem desvio (degeneração) para a burocracia ou para qualquer outro sentido (organizacional, profissional ou de outra ordem) que para esta referência não essencialmente se oriente ou concorra;

- Estabilidade profissional dos professores, de forma a poderem construir e consolidar identidade organizacional e uma relação socioeducativa coerente, integrada, sustentada e sustentável com os alunos;

- Eficácia, eficiência e realização no trabalho dos professores, de forma a que a essência deste – o ensino, visando a aprendizagem com conhecimento – não é prejudicada por condicionalismos organizativos, administrativos, burocráticos ou financeiros;

- Efectiva capacidade educativa (científica e pedagógica) dos professores, não só assente na sua formação académica e profissional mas integrando também a partilha colectiva da informação e experiência resultantes do seu exercício profissional quotidiano;

- Trabalhadores não docentes (auxiliares e técnicos) suficientes, qualificados, dignamente remunerados e com estabilidade no emprego, de forma a que, com a devida organização e enquadramento, apoiem técnica, social, disciplinar e educativamente os alunos (também) fora da sala de aula, condição indispensável do seu comportamento e aproveitamento educativo em sala de aula;

- Turmas de dimensão pedagógica e socialmente equilibrada, de forma a que todos e cada um dos alunos possa (deva) ter a disponibilidade profissional e pessoal dos professores e técnicos de que a sua sempre muito singular condição pessoal, social e educativa carece;

- Um ambiente socio-organizacional reflexivo e cooperativo entre os alunos e, por sua vez, entre estes e professores e restantes agentes educativos, nos domínios comportamentais, organizacionais e, mesmo, pedagogicos;

-Organização, sedes, processos, instrumentos e oportunidades de efectiva (e não apenas formal, burocrática) articulação, entreajuda, coordenação e socialização, entre os agentes educativos (mormente, os professores) de informação, conhecimentos, experiências, práticas e dificuldades, de forma a possibilitar coerência socioeducativa relativamente a cada aluno, a cada turma, a toda a Escola;

-Efectiva proximidade e entreajuda entre alunos, pais e professores, de tal forma que um aluno, para ser aluno, não tenha que de algum modo “deixar de ser” filho e um filho, para ser filho, não tenha que de algum modo “deixar de ser” aluno;

Interrogando-me se (pelo menos) estes são os principais elementos caracterizadores da Escola e tendo eles tanto a ver com a educação e ensino, é claro que é por isso que pressuponho que têm a ver com o seu ministério já que este se chama “da Educação”.

Mas, confesso, preocupa-me de sobremaneira que o Sr. ministro não me possa (embora não duvide de que queira) responder afirmativamente a todo este rol.

E, a ser assim, não digo que seja caso para pôr em prática aquela medida arrasadora que o seu antecessor chegou a afirmar ter intenção: “fazer implodir o ministério da Educação”.

Nem, muito menos, o que, há mais de um século, sugeria Mark Twain: “Não deixar a escola interferir na educação”.

De qualquer modo, reconheço que tal me manterá a ansiedade, que não me deixará descansar enquanto não tiver um ministro da Educação (e, “normalmente”, são tantos por legislatura…) a responder-me convincentemente àquela minha singela dúvida: O que é a Escola?

Pai / encarregado de educação e inspector do trabalho aposentado

(Uma versão deste artigo foi publicada na edição de 10/2/2017 da Gazeta da Beira)

Sobre o/a autor(a)

Inspector do trabalho aposentado. Escreve com a grafia anterior ao “Acordo Ortográfico”
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