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O que a Comissão Europeia quer do trabalho?

A ideia de um Pilar Europeu dos Direitos Sociais, mas, acima de tudo, o seu conteúdo, levanta uma incerteza, que tantas vezes tem surgido com tudo o que brota da Comissão Europeia: será que é para valer ou é faz de conta?

Ora, o que é que nos é apresentado neste documento1? Os objetivos aparentam uma utopia de projeto europeu algo interessante: diminuir o desemprego, especialmente o desemprego de longa duração e jovem; reforçar os serviços públicos, bem como os apoios sociais e de proteção laboral; apoiar o diálogo social e fomentar a negociação coletiva de trabalho; dar prioridade aos jovens e à formação, aumentar os salários, chegar à igualdade entre homens e mulheres.

Em linhas gerais são estes os grandes objetivos desta iniciativa da Comissão Europeia para o futuro do mundo laboral no espaço europeu, por forma a diminuir as desigualdades e criar competitividade. Não deixa de ser demasiado óbvio que nada disto teve, tem ou terá alguma ligação à realidade concreta.

Como é possível se as políticas adotadas já há algumas décadas vão no sentido exatamente contrário, tendo agravado grande parte destes indicadores? Os serviços públicos têm sofrido cortes sem precedentes, numa senda privatizadora. Os apoios sociais e os sistemas de segurança social têm sido os primeiros a sofrer pesados cortes. As reformas da legislação laboral aniquilaram o poder das convenções coletivas de trabalho e dos sindicatos, retirando tantos outros direitos a quem trabalha. Para os jovens o que se tem apresentado são formas de mascarar números de desemprego e de fomentar a precariedade, com estágios atrás de estágios. Uma baixa generalizada de salários marca o nosso tempo.

Enfim, se o enumerado agora mesmo representa bem aquilo que Portugal sofreu com mais força devido aos programas da troika, pode dizer-se que a estratégia de desvalorização salarial como forma da União Europeia responder à crise económica e os ataques ao mundo do trabalho vêm já de trás, desde final da década de 80, quando se começa a reformular aquilo que são os tempos de trabalho, o tipo de contratação, a abertura ao mercado através de empresas de trabalho temporário, “flexibilização” das leis laborais. Enfim, o caminho foi longo para se chegar ao ponto ótimo: que o patronato tenha o mínimo custo possível com o trabalho. E isto conta também para o setor público.

O problema é de fundo, é ideológico. A União Europeia continua as ofensivas sobre o trabalho, disfarçadas de necessidade de harmonização das legislações nacionais para que os cidadãos possam beneficiar. Mas a experiência tem ditado o oposto, e não é mais possível continuar a crer que o objetivo da Comissão Europeia seja agora reverter absolutamente tudo o que criou ao nível do trabalho no espaço europeu.

A troco de quê? O plano de desregulação laboral não vai ficar por aqui e não vale a pena pensar sequer que propostas como a do Pilar Europeu dos Direitos Sociais vai ser algo de novo. Não vai, vai ser mais do mesmo disfarçado de algo diferente. E a luta dos trabalhadores e trabalhadoras, dos sindicatos e dos movimentos precários não pode esmorecer. Mais do que nunca precisa de alargar a todos os setores, inclusive aos desempregados, e precisa de ter uma ligação europeia que faça frente a esta ofensiva. Porque o que a Comissão Europeia quer do trabalho é desestruturá-lo até ao ponto de não haver mais nada por que lutar.

Artigo publicado em acontradicao.wordpress.com


Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Licenciada em Ciências Políticas e Relações Internacionais e mestranda em Ciências Políticas
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