O PS e o mesmismo

porLuís Fazenda

31 de maio 2018 - 22:05
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No vazio premeditado do congresso, avulta a definição costista do mesmo: o mesmismo.

1 O recente congresso do PS trouxe aos media uma onda de análises mais ou menos especulativas. Não é caso para menos, pois a reunião máxima do partido não teve propostas concretas sobre a governação e muito menos sobre o género de governo que pretendem pôr em marcha após as eleições de 2019, se entretanto as ganharem. Fica para outras alturas, diz António Costa. Isso não é desculpa aceitável para um partido que tem a seu cargo um governo minoritário. É certo que os trabalhos tiveram uma temática geral sobre alterações climáticas, demografia, sociedade digital e desigualdade, nós óbvios do capitalismo atual, mas mesmo aí tudo se limitou a um credo de consenso, aliás modesto para uma visão até 2030. É então necessário abordar apenas a superfície do congresso.

2 A política de comando da União Europeia esteve ausente das discussões, como se ela não fosse determinante para o país, da economia à política externa. Curiosamente, o Primeiro-Ministro, num dos seus discursos no palco da Batalha, em que se queixou de alguém que faria "bravatas" à União Europeia, foi o autor da mais espampanante bravata: a de que teria virado a página da austeridade sem sair do euro. Estamos longe de reverter toda a austeridade troikista, como se sabe, e o estrangulamento do Tratado Orçamental tem os serviços públicos como vítimas diretas. E promete maiores bloqueios nos anos que se seguem. O próprio euro está nos cuidados intensivos, enfim. Mas sobre as "europas" ficámos por aqui.

3 O balanço do governo em funções é atribuído ao PS sem qualquer referência aos acordos parlamentares que tornaram possível a simples existência do próprio governo. Os parceiros da "solução governativa" são passíveis de reconhecimento ou crítica, não podem ser ignorados. A atitude demonstra mais do que uma posição autocentrada, ela expõe o gesto da arrogância. A expressão "parceiro" atribui-se a "pares". Não parece ser o caso aqui. António Costa acha implicitamente que essa relação é uma espécie de natural complemento parlamentar de um partido que nem sequer ganhou as eleições. É o pragmatismo no seu esplendor.

4 O episódio Assis é revelador. O que disse Assis ao congresso vale pouco, vale mais o ato. E o que disse Assis: que o governo de António Costa nunca deveria ter existido mas se existe é graças ao Primeiro-Ministro que anestesiou o Bloco. Assis vem vangloriar Costa quando por ele ainda teríamos hoje Passos Coelho e Paulo Portas no governo. Espantoso, não é? Supõe-se que o anestésico para o bloquismo sejam as regras europeias que qualquer outro Assis sabe que não constam do acordo feito com o PS para derrubar o governo da direita. Mas, para além da rábula "arranjem-me um emprego, não é que eu esteja a pedir", Assis acha-se em condições, e este foi o ato da coisa, de apanhar o comboio a seguir para um PS que negoceie com a direita e com a esquerda, mais com a direita se faz favor.

5 O debate do que terá salvo o PS de ter o destino fúnebre de grande parte da social-democracia europeia foi um alerta mórbido mas em todo o caso realista. Nesta angústia, Augusto Santos Silva encosta-se aos liberais, do género Macron, e Pedro Nuno Santos reclama o regresso à social-democracia. Augusto fica irritado quando lhe dizem que se não fosse a geringonça não havia PS para contar. Assim como em França, por exemplo. Não, ele é mais Kant. Os outros são filhos de Hegel, pois. Augusto fica mais aliviado porque António Costa segue-lhe a cartilha, embora sem falar nos filhos de ninguém. Quem disse que não havia um debate identitário no PS? A desdita de Pedro Nuno é que a larga maioria não quer ouvir falar de "frentismo democrático", expressão soft para uma coligação de poder originária da geringonça. Eles são dedicados a Centeno.

6 Pesem as boas vontades, ao contrário dos que pensam, sobretudo fora de Portugal, aqueles que acham que o PS virou à esquerda, os factos são teimosos e o PS assume-se o mesmo de sempre. O esforço para reivindicar Sócrates, apesar da má sina, é para sublinhar que o PS é o mesmo. O social-liberalismo tão amigo dos negócios e da privatização do Estado, ou da flexibilização laboral, anda aí e já se nota. No vazio premeditado do congresso, avulta a definição costista do mesmo: o mesmismo.

Sobre o/a autor(a)

Luís Fazenda

Dirigente do Bloco de Esquerda, professor.
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